terça-feira, 1 de julho de 2025

TEMP(L)O

O tempo que contemplo

É a medida entre o ínfimo e o infinito

A curva que se faz espaço

O Deus Olímpico que devora

A menina que se assenhora

O futuro que que se constrói com escolha do agora

O espelho que requebra na entropia

O que não pode voltar, sequer um dia

É aquele que nos prega as peças

Peças revividas com papéis diferentes

A mãe, o pai, o avô... em início fim e meio

Até mesmo para o filho que não veio

A areia que desconta

A estrela que desponta

E enfim, a (in)certeza do fim.

terça-feira, 24 de junho de 2025

E=mc2

O tempo vive aprisionado nas cordas de meu violão. 

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Encontro


Para Flávio, um Rocha que pensa diferente

 

Um é Luís o outro Luiz, nem sei se esses e zês podem ser a diferença entre eles. Por isso digo o que sei: um é filho de Januário, outro de Luís. Um tem sete baixos, o outro o violão. Um nasceu para ser guache na vida, o outro tenta ser um homem direito. Um reclama que uma esmola para alguém são ou mata de vergonha ou vicia o cidadão. O outro diz que um homem se humilha se castram seu sonho que é sua a vida e a vida é o trabalho. E tanto andaram de viés que se afastaram irremediavelmente.

Um dia resolvem que a vida deles é andar por esse país pra ver se um dia há um descanso feliz. Um encontro que aconteceu de fato, a despeito de ser tão improvável.

Sei bem o que passaram. Visões de mundo mais nos afastam do que unem. Penso que o politeísmo de tempos passados bem poderia ser uma solução melhor que se chamar Raimundo. Se Deus é único, quem é o único que sabe quem Ele é, e pode realmente dizer que todos outros são meros teatros burlescos com suas mitologias inverossímeis e improváveis?

Enquanto isso uma boa banda não pode ser só de guitarras, do mesmo jeitinho uma boa ideia guarda em si a probabilidade de estar errada, pois assim não sendo é só mais um fundamentalismo barato. Sei o que não sabes e sabes o que não sei (o que está dito tão fora de registro que nem deveria estar aqui em um espaço informal). Enquanto isso vejo o leão perseguir o antílope, aquele que correr menos não vai saber com termina a história. No fim ambos são grama.

Ontem tomei coragem e liguei. Você tomou coragem e atendeu. Coragem tem origem em coração. Então não posso dizer que discordo de você, pois essa é uma outra palavra que põe cordas no coração, apenas pensamos diferente, e temos muito que aprender juntos.

domingo, 4 de maio de 2025

Coquetel

A idade nos traz doses de ressentimento e gratidão. 
A porcentagem que escolhemos de cada um desses ingredientes faz toda a diferença.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Saudade e nostalgia

Ando meio cansado de ouvir que a palavra saudade só existe em português. Deixa eu (deixa-me - eu não aguento – pode até ser certo, mas é feio pra cacete!) dizer uma coisinha: NENHUMA PALAVRA SEQUER DE UMA LÍNGUA PODE SER TRADUZIDA TOTALMENTE PARA OUTRA. Imagina, por exemplo, que você nasceu em uma oficina mecânica e todos os seus parentes são mecânicos. Então quando falarem rebimboca da parafuseta vocês vão saber do que se trata, apesar da família de sua namorada em que todos são pescadores não tiverem ideia do que você está falando.

A coisa piora se alguém arrisca a cantada: ‘saudade do que ainda não vivemos”, que poderia até ser fofinho, não fosse dito por um macho tóxico. O tipo de cara capaz de ajudar um amigo (supostamente – olha aí meu jurídico imaginário) estuprador.

Saudade pode ser até única, porém acredito que as palavras têm significados vindo tempos imemoriais, perceba aqui que a origem (em termos de língua e história) fazem com que seja difícil até mesmo encontrar traduções (ou melhor sinônimos) na mesma língua. Saudade não é o mesmo que nostalgia, pois esta tem tudo a ver com dor (olha que a Marisa Monte tem a dela, eu a minha e você a sua), e apesar de saudade doer lá dentro é também fonte de prazer (a cantada já citada que o diga).

Talvez a culpa seja do tal Dom Sebastião. E antes que você me xingue por trazer referências que quase ninguém lembra, trata-se (que vontade de dizer “se trata”!) da história de um príncipe que morreu nas cruzadas. E deixou o povo português chupando dedo com saudades do que nunca viveu. Se ele voltasse e mantivesse os privilégios da corte como todos os outros de antes (e depois) fizeram, ninguém teria saudades. Seria mais uma dor lembrar dele.

Como torço pelo time que tem mais história que presente, observo que o Vasco também sofre desse tal sebastianismo. O problema se agrava com o fato de que nossos reis e príncipes fizeram muito mais que se perder em terras distantes. Foram grandes de fato. Cabe a nós sabermos que hoje usam bengalas ou pelo menos óculos bifocais.

E perdoem a fala etarista, mas deixemos atletismo para atletas e não para jogadores aposentados em atividade. Esse é o mesmo discurso que faço ao dizer que (quase) qualquer um pode ser bombeiro. E estabeleço o seguinte teste: Tenho 113 Kg, se eu me jogar aqui no chão você pode me arrastar por 30m, trajando roupa de aproximação e cilindro? Se a resposta é não sinto muito, fica pra outra encarnação. Há uns 10 anos eu seria capaz disso, hoje não mais. Por isso é que estou na reserva (ou seja, aposentado).

Então não me fale de saudades e de voltas, me fale como preparar quem está por vir, não me diga amanhã você quer sentir saudades como um (bom e) velho samba. Diga que nesse Sanatório Geral vai passar, como neste outro (ainda melhor) samba pra nossas novas gerações.

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Através das lentes

Sem seus óculos, Herbert Viana reclama da ausência.
Sem os meus o manacá de meu quintal é uma pintura de Renoir.

domingo, 13 de abril de 2025

Per capita

Quando saio por aí convidando as pessoas a se inscreverem no canal onde leciono física e matemática é muito comum me dizerem “sou de humanas”, então respondo: “eu também”. Não há nada mais humano que calcular se as provisões vão bastar na estação seguinte, medir o terreno que o vizinho quer tomar ou encontrar padrões.

Sei que tais pessoas não se convencem muito, então resolvi fazer a engenharia reversa para explicar que os textos que você encontra aqui mesmo em meu blog, apesar de parecerem criativos, nada mais são do que a consequência lógica de buscar conexões. Quase a resolução de uma equação.

Basicamente paro para pensar nos temas do dia e suas correlações, por exemplo, vou tentar colocar aqui bem juntinho Vegetti e Carlos Gardel. Porém, isso só vai ter o cheiro de arte se não for óbvio, como o fato de parecerem argentinos, até porque Gardel é francês.

O lance é que estou as voltas com uma nova (para mim) canção chamada por uma cabeça, e ela é difícil pra cacete. Isso me obriga a pensar nela horas a fio. O título me fez desconfiar de alguma relação com as corridas no jóquei, o que se confirmou. A surpresa ocorre quando entendi que a metáfora se estendia a um relacionamento romântico que não foi adiante por pouco ou até pelas sutilezas que fazem o tango uma forma alegre de tornar em dança uma tristeza qualquer.

Apesar de ter dois pés esquerdos e nem tentar me arriscar a dançar, tento juntar minhas mãos, não menos sinistras para reproduzir um tasquinho de tanta beleza. Isso me obriga a ser insistente, então até mesmo vendo o jogo do Vasco continuo teimando em dedilhar as seis cordas. De repente tenho que me conter para não jogar o violão para o alto quando sai o gol de nosso centroavante. E como foi? Lógico que com cada fibra de seu coração, com as pernas, braços, abraços do cabelo ao umbigo, de corpo inteiro, enfim.  Com a alma do menino que torce. Desde a ponta dos pés que insistem e esquecer dos 37 anos até a capital arma do artilheiro. Tudo em uma homenagem ao maior que já passou por aqui, justo na semana de seu aniversário.

Finalmente sei que você pode estar chateado comigo, perdendo tempo com milongas, enquanto a Argentina passa por problemas realmente sérios. Entretanto, ouça bem o que digo: quando perdermos tudo de nossa alma latina e não sobrar nenhum centavo para um aposentado tomar chimarrão em frente a Casa Rosada ainda haverá a arte para dizer quem somos.

Assim quando algum burocrata disser um país está bem devido a renda produzida por pessoa ser o suficiente, não deixe que seu coração de humanas se perder nas contas. E pergunte para quais cabeças vai o capital.

No tango, a cabeça do Gardel está focada na de um nobre cavalo. Hoje a pelota chega na cabeça do Pirata, ontem seria do Dinamite. São essas cabeças que fazem toda a diferença.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Olha a bolinha

Tomei um golpe quando tinha 17, eu havia acabado de passar para a UFF e me achava o cara mais esperto do mundo. Tenho até vergonha de contar, mas sabe aquela das três forminhas de empada, uma bolinha, um prestidigitador, um ator fingindo ser o otário, tudo bem arranjado sobre e ao redor de uma folha de jornal? Imagino que você vai dizer que essa é mais velha que andar pra frente. Só que o cara que achava que ia desvendar os mistérios do universo caiu. Desde então me comprometi a ser cético para nunca mais dar mole.

Só que...

1.     Mandei um pix para um homônimo de meu vizinho. Achei o beneficiário no zap e pedi para que devolvesse. A resposta foi que a conta estava negativada e assim que pudesse...

2.     Coloquei o consultório de dentistas em pagamento recorrente, depois de tentar ser atendido algumas vezes em plena pandemia sem sucesso, cancelei o contrato. Mesmo assim continuaram cobrando, só parou quando cancelei cartão de crédito. Depois de quase três anos entraram em contato informando que tenho uma fatura em aberto.

3.     Mês passado cancelei o cartão de novo, mesmo erro. Só que agora foi com a empresa de segurança.

4.     No início do ano passado cismei que ia fazer uma coletânea com meus contos e poesias. Paguei pela publicação e até agora nada.

Poderia aumentar essa lista quase indefinidamente. Meu melhor amigo cansa de dizer que sou uma versão moderna do Batman barrigudo, aquele morcego que perdia um tempo enorme ouvindo as exclamações de seu sidekick. Coisas do tipo: “santos dentes escovados três vezes ao dia!”. Olha que quando eu via essa série, molequinho, já pensava: por que o Coringa não dá um soco de uma vez ao invés de ficar falando? No fim das contas a Batgirl (essa sim eu torcia para aparecer!) chegava para salvar o dia.

Pensando bem parece que vivo levando aqueles golpes típicos de turistas que pensam estar comprando a última lasca da cruz de Cristo. Estou aqui de passagem, e espero que os golpes que tomo ao menos virem boas histórias de viagem. Porém assumo que está perdendo a graça saber que a qualquer momento vou tomar um golpe, seja de um pedinte ou de um Oficial de alta patente. Por isso já mandei substituir meu sentido aranha por um toque de celular que lembre o tempo todo o que está para vir: “olha a bolinha, olha a bolinha, olha a bolinha”.

domingo, 6 de abril de 2025

O feitiço do tempo

A tal da sincronicidade é algo bem estranho, enquanto estou aqui as voltas com o violão um pensamento incomum faz lembrar de um antigo filme estrelado por Bill Muray. Nele um dia se repete indefinidamente, até que o protagonista desiste de lutar contra sua tendencia de pensar que tudo é tedioso e decide aprender com a insistência de seus dias serem sempre iguais. Aqui cabe explicar que estou também aprendendo a ler uma tal de tablatura, uma simplificação da partitura com diversos números se espremendo entre seis, intermináveis, linhas.

Sei que figurinha repetida não completa álbum, porém algumas delas insistem e reaparecer, no caso da tablatura em particular vira e mexe percebo que estou tocando a mesma linha ao invés de seguir adiante. Então, lá vou eu sofrendo o mesmo que a personagem que nunca acorda para o amanhã. Até mesmo em momentos improvaveis estou com o violão no colo repetidamente dedilhando: polegar, anelar, médio, indicador, polegar, anelar, médio, indicador... Só assim consigo, por exemplo, ver um jogo do Vasco até o fim. Com os sucessivos erros de sempre (sejam meus do Gigante da Colina). Mais tarde vejo no youtube os comentários de André Schmidt, no Blog do Garone, nele ouço que o time mais parece ter saído do filme “O dia da Marmota”.

Agora chega o momento em que você pode se sentir a vontade de reclamar de eu falar de sincronicidade tentando juntar violão e Vasco, youtube e cinema. E perguntar onde tudo isso se encaixa. O fato é que eu e o Garone estamos citando o mesmo filme, que pode ser chamado como o comentarista o fez ou com o título desta crônica.

Como a história se passa em 1993, eu estava sob a influência de Alan Kardec (não o atacante formado na nossa base) me pareceu bem óbvio que a película (outra referência que mostra como essa conversa é antiga, ninguém usa isso para substituir a palavra filme hoje em dia) que tudo era uma metáfora para a reencarnação. Como desisti dessa visão espiritual, cabe lembrar que o que Heráclito disse sobre entrar no mesmo rio.

Enfim, ora penso que se estou tocando o mesmo trecho de uma canção ou estou relendo um livro é sinal de que ainda há, paradoxalmente, algo novo. O risco é de ficarmos presos a círculos que não levam a lugar nenhum. Como já disse Beto Guedes “a lição sabemos de cor, só nos resta aprender.

quinta-feira, 27 de março de 2025

A aldeia Gaulesa no corner de um campo de grama sintética

Um dos maiores obstáculos ao escrever ultimamente é superar o fosso entre mim e as pessoas 20 anos mais novas, pois minhas referências estão ficando cada vez mais datadas. O outro é a própria mania de usar palavras como “datadas” quando quero dizer simplesmente velhas. Isso me obriga a explicar a cena mental pela qual passo com detalhes cada vez mais enfadonhos. Por exemplo, tenho que dizer quem é Chatotorix e o quanto ele ficou magoado ao ver que os bardos ingleses eram reverenciados, enquanto ele mesmo era amordaçado a cada vez que chegava perto de sua lira. Entretanto, se chegarmos ao ponto de ter que explicar quem foram os Beatles, ou que a seleção de 82 foi espetacular sem ser campeã eu simplesmente lhe convido a desistir dessa crônica.

Seja como for, vou tentar simplificar ao máximo contando que também ando agarrado a um violão ultimamente, o que apesar de ser muito importante para mim, não obriga o leitor a ouvir o que toco sob o risco de me levar a condição de violador de direitos humanos. Enfim, nem todas as horas de treino podem me levar a ser um virtuose, até porque muita água passou sob (e sobre) a ponte antes que Chronos, aquele que tudo devora, permitisse que eu sequer chegasse perto das cordas de nylon. Isso antecipa a verdadeira dimensão que quero chegar: talento, esforço, tempo, organização e cultura devem se alinhar para dizer quem somos.

Volto aqui para lembrar que antes de ser bardo achava que era esperto como o Asterix. Na década de 70 ao chegar na biblioteca pública quase sempre solicitava uma certa revista em quadrinhos, enquanto a bibliotecária tentava me empurrar José de Alencar, que por sinal ainda acho bem chatinho. Óbvio, que naqueles dias eu não tinha uma compreensão plena das metáforas colocadas, mesmo assim comecei a desenhar uma vaga noção que as revistas não versavam exatamente sobre aldeias mediterrâneas, próximo dos anos em que Cristo disse que a moeda com César não pertencia a Ele. O esforço valeu a pena. Como resultado chego aqui com a coragem de quem escreve sem usar o ChatGPT.  

Nas proximidades da meia idade passei a me identificar como o Obelix tentando me convencer que era forte, não gordo. Concomitantemente, o futebol brasileiro mostrava seus primeiros sinais de decadência. Dependendo cada vez mais de heróis isolados, tal e qual em uma remota aldeia gaulesa. Campos de várzea começaram a ser substituídos por escolinhas, como se a Via Ápia chegasse nas proximidades apesar dos esforços do druida Panoramix.

Aqui cabe ressaltar que a cultura é o último bastião de resistência de um povo e que o futebol é a coisa mais importe que existe entre todas as coisas desimportantes da vida. Além do mais se não fosse a paixão pela história de resistência a favor de negros e operários, nada mais me faria torcer pelo time que torço. Ou seja, não escrevo diante da suposta dor da goleada sofrida contra a Argentina, pois isso é só um resultado esportivo. O que me entristece de verdade é perceber que cortes de cabelo, brincos e chuteiras coloridas passaram a ser os verdadeiros astros; ressalvada a luta antirracista do Vinicius Jr.

Aqui cabe sua interferência de leitor e reclamar que a conexão entre os quadrinhos e o futebol não ultrapassaram meus neurônios antes de chegar a esse texto tão desmiolado. Só que agora vai piorar: Minha dor é perceber que vejo um filme repetido tantas vezes nas salas de aula em que passei em minha vida, onde mesma cena ocorreu com diferentes papeis. É preciso ser forte para não me sentir derrotado quando somente a resposta idêntica ao do livro é aceita. Palavras e posse de bola cada vez menos se mostram receptivas a metáforas e dribles. Mesmo assim permaneço por aqui sendo guerreiro, goleiro, carregador de menires, gandula, bardo, torcedor ou druida. Enquanto assim for os romanos ainda não venceram.

sábado, 22 de março de 2025

Arremessei o projétil no felino

O título dessa crônica leva a uma antiga discussão que tenho com meus colegas professores, pois na qualidade de nerds, o que sabemos fazer melhor na vida é sermos incompreendidos. Algo como o mecânico espertalhão dizer ao cliente incauto que o problema reside na rebimboca da parafuseta. Caso não tenha reconhecido a frase mencionada no título, esta é é o início de “Atirei o pau no gato” em uma versão traduzida do português das ruas para o português do Aurélio, sendo este muito usado para causar incômodo intelectual. O que não é pretendido neste texto, apesar de muitas vezes assumir que eu mesmo não me entendo.

Passei a noite em claro pensando que a canção popular tem muito a nos ensinar. O que passa desde a crueldade com animais ao fato que as histórias que contamos para as crianças quase nunca são infantis. Tudo piora quando me ocorre que o dono do gato pode ser um tal de Schroedinger e o felino pode estar em um estágio intermediário entre morto e vivo. Tudo isso temperado com a seguinte máxima sobre a iluminação atingida por Sidarta: “Se um mestre ensina como se iluminar e um discípulo o ouve, nenhum dos dois sabe do que está falando”. Ou seja, se estou versando sobre física quântica e você presta atenção é fundamental que nós estejamos prontos para determinar a medida de nossa ignorância sobre o assunto, sob o risco de parecermos fundamentalistas.

Então, para simplificar essa confusão vamos colocar os gatos do cientista e o preto que passa na rua em suas caixas, onde não podemos determinar seu estado de saúde ao serem transpassados por ondas eletromagnéticas ou pedradas. Tudo isso também pode ser determinado por outra brincadeira supostamente infantil. Coloquem um cara na frente de uma fila de crianças que o encaram enquanto ele repete aleatoriamente as palavras “vivo”, ou “morto” enquanto seu próprio corpo segue ou não as orientações proferidas.

Então quando minha professora de Pilates está particularmente cruel e me pergunta se estou vivo ou morto depois de meus músculos e pulmões não mais darem conta da demanda, costumo responder miando. O problema real acontece quando me perguntam se sou realmente livre e vivo. Por certo dona Chica iria se admirar de minha resposta felina e onomatopaica.

domingo, 16 de março de 2025

Inconstância

Quantas vezes você já leu o Soneto de fidelidade para saber que ele não fala sobre fidelidade e ouviu o Samba de uma nota só para entender que aí sim?

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

BR 116

Ela morava em Carmo, eu trabalhava no Rio, justo quando chegamos aos quarenta de vida havia outros quarenta anos entre nós, vinte meu com ela e vinte dela comigo. Seria o momento certo da crise de meia idade.

O roteiro estava fadado a isso, então poderíamos muito bem nos abandonar como tantos casais e findar como a canção que fala do depois. Só que no meio do caminho havia uma pedra. Ou melhor, um estranho desvio que nos afastou de uma trajetória óbvia. Algo que poderíamos chamar de destino.

Começou quando tomei uma punição geográfica. Aqui cabe uma explicação. Ser oficial do Corpo de Bombeiros nos põe sob esse risco laboral. Funciona da seguinte forma: Basta desagradar um superior hierárquico com algo que não dá para enquadrar no regulamento. No dia seguinte o boletim vem com uma transferência para o outro lado do estado.

Sabia muito bem que iria acabar acontecendo comigo, pois sofro de uma patologia estranha que chamo de sincericídio. Funciona mais ou menos assim: uma língua afiada associada a algum neurônio perdido faz com que eu responda mais rápido do que pistoleiros. Em uma dessas situações retorqui a altura uma dessas gracinhas, tipo quinta série, de um Tenente Coronel quando meu ombro só havia uma estrela. O resultado vocês já deduziram nessa altura do campeonato.

Naquele momento só via o lado negativo da história, longe da família e gastando o que eu não tinha era difícil pensar que algo bom poderia acontecer. Então chega uma mensagem no celular: “Vem comigo meu amado amigo, nessa noite clara de verão”, sem pensar muito respondi “seja sempre meu melhor presente”. E foi assim que a mágica se fez.

Deixa-me explicar de outro jeito: Temos uma brincadeira ao brindar com alguns amigos que é dizer: “Às nossas esposas e nossas namoradas”, então alguém sempre vai emendar de bate pronto “e que elas nunca se encontrem”. No meu caso é bem complicado, as duas são a mesma pessoa. É como se eu tivesse encontrado a Batgirl e a Barbara Gordon justo quando fui defenestrado para tão longe. E tudo porque passamos a falar de nossas saudades completando músicas feitas por outras pessoas. Ou seja, a crise que deveria nos deixar longe estando perto, nos aproximou quando estivemos longe.

Lembrei disso ainda hoje quando peguei o celular e vejo a inteligência artificial perguntando se eu queria uma poesia pronta. De imediato penso o quão pobre alguém tem que ser a ponto de não pagar com lágrimas pelas suas próprias rimas. Apago esse pensamento triste lembrando que as palavras de Beto Guedes, Emílio Santiago, Milton Nascimento, Roberto, Herbert Viana, Flávio Venturini, Chico, Djavan, Caetano e tantos outros cultivaram meu amor.

Então se você precisa de uma inteligência qualquer para escrever algo bonitinho para quem você ama está tudo bem, enquanto isso “cuide bem do seu amor” ... “seja quem for”.  

sábado, 22 de fevereiro de 2025

Sobre noviças, música e apitos

Estou as voltas com um longo aprendizado no violão e não há dia que ele não ensine algo. Por exemplo: Edelwiess é em ritmo de valsa e até agora aprendi (ou quase) três versões. Uma cantada, para tristeza de que me ouve. Outra orquestrada, tão simples que até eu toco. E a que estou sofrendo para aprender agora.

Resultado. Lembrei do filme. Simplesmente estupendo. No qual uma freira indecisa ensina para sete pestinhas que para fazer música bastam sete notas. Ai que dó! Na trama ela conhece o viúvo que faz com que ela mude de sacramento e passe de governanta a esposa. Não fique chateado com o spoiler, pois esse filme é de 1965, portanto apenas um ano mais novo que eu.

Como nos bons contos de fadas tudo é só felicidade. Ou deveria ser. O problema é que a abastada família, paradoxalmente não segue seus pares e se opõe com bravura ao nazismo. Assim o “felizes para sempre” ocorre com eles fugindo com uma mão na frente e a outra atrás, ao som de uma belíssima trilha que diz que as montanhas estão vivas ao som da música.

Quando vi pela primeira vez fiquei encantado, porém uma pontinha de tristeza me tocou sem saber exatamente de onde vinha. Volto pela trilha, tal qual paralelepípedos amarelos (de outro filme) sabendo hoje que apenas reconhecer notas não faz de ninguém um músico, do mesmo modo que assistir uma aula que exalta os baluartes de uma nação não forma ninguém em história.

A melancolia se transforma em terror, apesar de todo colorido da tela que na época era estado de arte (Eita! palavra adequada para o texto!). Pois saber que eles estavam a fugir de um bando de velhos nazistas já estava explicito na obra. Ver o menino de 17 quase chegando aos 18 soprar o apito (que poderia ser de cachorro) é de tirar o sono.

É mais fácil encarnar nazistas em figuras como o Caveira Vermelha, ou algum general decrépito. Ver um belo rapaz tomando essa atitude é mais uma lembrança da triste transformação que pode ocorrer sob as nossas barbas. Meu coração juvenil ao ver a trama lidava com ela como algo resolvido, que jamais poderia recorrer. Hoje penso que assim como Urânio pode se degradar em Plutônio, nossas relações sociais podem trazer de volta nossos piores pesadelos.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

O silêncio e o tempo

 

Em breve meu novo violão estará pronto, investi um bocado quando seria muito mais fácil desistir. Ou melhor, fiz ambas coisas (aqui o corretor insiste em colocar “as” antes de coisas – pode até ser o certo – só que já serei redundante o suficiente sem a primeira carta do baralho) como já foi cantado pelo Renato Teixeira em sua longa Romaria. Mesmo assim sigo com calos e tendinites para provar que treino de verdade.

Recebo a mensagem do luthier, um cara que tem oceanos e firmamentos no nome. No vídeo vejo que o bebê está prestes a nascer. O violão esperado está ficando lindo. Sinto uma tremenda vontade de ir lá correndo. Apesar disso apenas respiro, justo quando tento aprender que as águas de março hão de chegar com todo seu poder destrutivo e paradoxalmente fazer uma das músicas mais lindas que já ouvi.

Sei que tenho que me esforçar muito para quando ele chegar aqui em casa com suas seis cordas, o pinho possa ter um mínimo de respeito pelo meu coração de estudante. Afinal será o instrumento de um profissional nas mãos de um amador, ou até um amado amante.

A tablatura mostra um sinal estranho, através das lentes e uma nascente catarata me lembram um passarinho. Silêncio, ele está dormindo. Vejam como é lindo... Lembro da poeta que me ensinou que a há uma asa ritmada escondida em letras, versos, estrofes e harmonias.

O som do silêncio vem, mesmo assim me esforço para não ficar paralisado e entender que sem ele as penas não se abririam no sabor sincopado que estranhamente combinam vida e arte.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

... all the people...

Volto ao tema das palavras mágicas. O que está longe de Hogwart seus bruxos e o nome que não pode ser dito. Justo o contrário são os vernáculos ensinados nos lares desde a tenra idade.
Palavras mágicas abrem as portas e abraços, suavizam dores, atraem sorrisos e o mais difícil: assumem os erros.
Hoje dentre todas as palavras mágicas quero apenas apontar para as respostas aos agradecimentos.
Aprendi, por exemplo, que gracias pode ter por réplica por um singelo "a ti". Thanks pode vir acompanhado por "not at all", "don't mention it" ou até pelo estranhissimo "you are welcome". Em Portugal você pode dizer "obrigado eu". Se for algo simples "de nada" serve. Ou até um mero aceno.
A novidade fica por conta dessa geração que não cansa de nos surpreender. Juro que não entendi nada diante do primeiro "imagina".
Para mim ficou o mesmo sentimento de quando respondem "encantado" ao primeiro aperto de mão.
Ou seja, mesmo que dita automaticamente a palavra mágica não deixa de ter um profundo efeito de aliança e união. Não se trata somente de etiqueta, aquela ética menor, que muitas vezes só serve para dizer quem manda no pedaço. Palavras mágicas são, desculpem a redundância, mágicas.
Talvez você não ache nada demais. Só que meu coração beatlemaníaco logo completa: "que todas as pessoas venham a compartilhar o mundo inteiro".

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Maria Maria

Então ela, cansada, bate no vidro da joaninha aos gritos de “sai da frente de minha casa", ou algo que o valha.

Não foi a certidão de óbito, nem os gritos desesperados dos outros torturados que me fizeram chorar no cinema. Foi apenas uma mãe cansada que me fez desabar.

Conheci uma mulher assim, que também era mãe e também era minha. Assim como Fernanda Torres e Eunice Paiva pertenceram por uma breve momento, ao menos, a metade dos brasileiros.

Só que a mulher que me fez chorar no silêncio do cinema era apenas minha, não importando muito que ela fosse mãe de outros dez filhos, incluindo um que em 1970 era preso político.

Abro aqui um parênteses para mencionar a história de um menino que foi atacado por um jacaré e teve uma perna amputada. Ao chegar no hospital fez questão de mostrar a todos as marcas das unhas no braço, feito pela sua mãe que o salvou da morte certa.

Muito do que ocorreu só compreendi anos depois, pois, assim como Marcelo Paiva eu era muito menino para saber de tudo. Entretanto, disso sei. Temos em comum mães cuja coragem somente pode ser explicada com uma pitada de loucura.  

Tânia Horst também é uma pessoa que poderia estar aqui mesmo nesse espaço falando de uma mãe que viveu entre loucura e a coragem. Paradoxalmente, para essa linda menina, a quem tenho honra de chamar de sobrinha, fica a obrigação de preservar a memória que sua genitora foi perdendo ao longo dos anos, o que a Fernanda, essa Montenegro, traduziu apenas com seu olhar.

Fernandas, Ilmas, Augustas, Eunices, Marias e Marias, Saibam que ainda estou aqui e não hei de esquecer.