domingo, 30 de setembro de 2012


CALCULADORAS TABELAS E DICIONÁRIOS

Muitas vezes me foi questionado o porquê de não permitir o uso de calculadoras em exames de Física se em testes de inglês, permito o uso de dicionários. Afinal a calculadora é hoje acessível o que não é necessariamente verdadeiro para dicionários.
Todavia, meu intuito no momento de decidir quais recursos podem ser utilizados por um aluno quando é avaliado, por incrível que pareça é único: se O meio poupa tempo e trabalho, e não substitui o raciocínio ele é válido. Porém, se este recurso poupa o aluno de raciocinar ele é nada menos que perigoso.
Observe-se aqui que Huxley, autor de Admirável Mundo Novo, em sua visão retomada de obra prima incessantemente diz que os jovens estão trocando a sua li­berdade por refrigerantes. 0 que nos força a pensar o que ensinamos e o mais importante: como fazer e o que pensar.
Com tudo isto em mente discuti com uma co­lega a validade de se memorizar a tabela periódica (o que ela exigia dos alunos). O assunto foi fechado quando ela disse que alguns vestibulares ainda não ofereciam na (época) o pode­roso instrumento para os alunos (não se isto ainda ocorre se for verdade só posso dizer: socorro!).
Tentei colaborar com a colega lembrando das fra­ses absurdas que criávamos nos tempos idos do pré para memorizar as linhas da tabela: Bela Magnólia Casou com o Senhor Barão (Belírio, magnésio, Césio...), ou Os Sete Poloneses, ou ainda Banco de Crédito Nacional Órgão Falido. Entre outros absurdos.
Ao observar a sua expressão logo vi que estava pagando o maior King Kong dos últimos três séculos. Ao tentar suavizar o diálogo de tal importância estava pondo panos quentes nas grandes questões que diferenciam educadores de papagaios: De que forma o assunto deve ser discutido?; qual raciocínio pode trazer o raio de uma tabela decorada?
Se no fim das contas a ocupação de tantos neuró­nios não vier junto com uma visão crítica devidamente aprofundada do conceito, o que tem que mudar é sem qualquer sombra de dúvida o vestibular.
Entretanto se alguém chega a memorizar a tabela periódica de tanto que usa, o cidadão deve ser para­benizado, posto que a compreensão de um processo mui­tas vezes só é obtido através do trabalho duro.
O fato que estamos há muito tempo desvalorizando a capacidade do aluno pensar lhes trazendo aulas fantás­ticas e muito bem preparadas que funcionaram certinho nas três turmas que demos o mesmíssimo assun­to.
Flexibilidade mental, interação e discussão jamais fizeram parte do currículo de física. E o importante mes­mo é que o aluno tenha uma bela nota para emoldurar em algum canto empoeirado. Quando ele tiver passado no vestibular, e tiver vinte anos de vida profissional ele vai nos agradecer. mesmo que de nossas aulas somente sobrem as anedotas. Por falar nisto tem outra: Falei Com o Branco e Iniciou a Tourada"


UTOPIA

A utopia era tudo
Mas logo o brinquedo quebrou
E o espaço
Foi ocupado por outras coisas
Que até então
Eu não queria.

A utopia não era tudo que queria
Mas ainda era muito

Muito, porém, de seu espaço
Foi ocupado
Por máquinas de guerra
E por derrotas nas lutas pela terra

A utopia já não era muito
Mas era o que me movia
E o motivo pelo qual ainda sorria
Porém muito do meu sorriso
Foi cariado
Pelos enlatados ideológicos
E pelos games de porradaria.

O brinquedo quebrou
A guerra ocupou
O sorriso desgastou
E a pouca utopia que restou
Foi tudo que restou da utopia

Hoje
Me lembro
De um menino
Que tinha uma utopia
Que passou.

sábado, 29 de setembro de 2012


RIMAS FÁCEIS

“O nosso amor não vai deixar de rolar
nem fugir nem ser tema de livro...”

            Fui convidado a um sarau, palavra antiga que abre um espaço para dar voz a poetas.
Éramos três e, os outros dois me ofereceram a maior saia justa de minha vida no que se trata de falar em público, pois não há como competir em charme, elegância e desenvoltura com o Seu Jairo o Seu Rui. A poesia escorre dos poros deles, elas fluem entre calangos e canções, espalham doçura aos corações.
            Não sou um desistente: sobrevivi, mais uma vez. O problema é que meus textos nascem sofridos, há tempos não sei escrever quadrinhas; mas assumo que rezei por uma inspiração: devolvam minhas rimas fáceis, permitam-me os calafrios!
            Queria que cada um de meus versos não fosse um parto doloroso, uma amputação. Queria ser novamente capaz de tirar um sorriso das flores que passam nas janelas, como eles habilmente fazem.
            De qualquer forma meus amigos me devolveram o chão. Um lugar firme para me apoiar e olhar para cima, onde do alto das torres ebúrneas de meus sonhos reinam os poetas populares.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012


MORRER COMO OS ELEFANTES

No início da obra de meu cunhado ao lado de minha casa me vi, de um certo modo, envolvido com tijolos novamente. Com o tempo a tarefa me cansou um pouco, e a partir de então passei a andar com o telefone dele em meu bolso; pois estava, além de cansado, pronto a repassa-lo a qualquer um que quisesse discutir os problemas hidráulicos, elétricos ou ecléticos que ocorressem.
Dentro desta moldura conheci um velho pedreiro: grande, uma montanha, com um olhar firme e ao mesmo tempo gentil.
Não demorei muito a perceber que lhe devia desculpas, pela minha fala ríspida àquele senhor de noventa anos, afinal ele definitivamente pouco tinha em comum com as pessoas vulgares que me cansavam com suas frases óbvias e interesses mesquinhos. 
As mãos grosseiras do colosso se mostraram capazes de trabalhos de pura beleza, desses que justificam o estranho modo como o pessoal da área de engenharia chama este tipo de artefato: obra de arte.
Espiralada subia a escada esculpida por mãos quase centenárias. E a serpente se esticou até onde pôde até dar o bote final no teto.
Logo entendi que a sua estrutura não consistia apenas de ferragem e concreto, mas do engenho de um homem que, a todo custo, precisava se manter trabalhando.
A certeza disto veio juntamente com a doença que não permitiu ao velho sábio o seu ato final: a retirada da escama do dragão. E numa destas raras ocasiões a retirada do seu leito de madeira ficou à encargo do ajudante.
Mais tarde soube que o ócio o deixou depressivo.
E finalmente que, em sua simplicidade, ele escolheu um fim de paquiderme em  um local isolado misturado entre notícias desencontradas.
Sei que muitos não vão entender o que é claro como o cristal: seus passos lentos e curtos na subida da estrada de Teresópolis somente buscavam o retorno de sua dignidade.

domingo, 23 de setembro de 2012


SALGADINHO

- Oi! Oi! Oi! É o salgado. Bi! Bi! Bi! Graúdo! Bonito! Barato e Gostoso!
Vira e mexe vejo esta figura passar pela rua. É o Salgadinho: negro, baixa estatura, sorriso amplo e uma grande alma.
Conheci logo da primeira vez que passei pelo quartel de Bombeiros do Carmo onde o seu pit stop é ansiosamente aguardado, justo minutos antes do almoço.
O fato é que não há como concorrer, pois o seu produto é acompanhado por suco gratuito e recheado de bom humor.
Logo o convívio com seus fregueses de camiseta vermelha fez com que o boné da Corporação fosse incorporado aos seus trajes.
- E ai chefe vai salgadinho hoje?
Peço desculpas, bem que poderia aceitar, entretanto meu amigo não sabe a briga que venho travando com a balança desde que torci meu joelho.
Vejo se afastar imaginando como ele consegue equilibrar o isopor e o guarda-chuva sobre a bicicleta. Lembro da música do Jorge Ben (aquele cuja numerologia mudou o nome), e percebo que a combinação dos objetos pode ser aceitável e até harmoniosa se guiados por uma pessoa tão peculiar.
Tenho pensado muito sobre o privilégio que é morar em um lugar onde ainda pode se ouvir uma Folia de Reis, pendurar um cafezinho, ou simplesmente desejar felicidades a alguém sem que seja natal. Mas, certamente, o melhor é conhecer pessoas como o Salgadinho. E ao passar de carro buzinar para ouvir o bordão já famoso nas ruas da terra que adotei. 
- Oi! Oi! Oi! É o salgado. Bi! Bi! Bi! Graúdo! Bonito! Barato e Gostoso!



SOBRE PADRES, PASTORES E CASAIS

O que relato agora não seria possível em Dublin da época de James Joyce. Ocorreu não faz muito tempo e bem aqui em Carmo. Tratou-se do concorrido casamento de Elaine e Leonardo. Evento no qual tive, junto com minha família, a honra de comparecer.
Muitos fatos agradáveis poderiam ser citados: o grande estilo da festa, a escolha de belas músicas (por sinal muito bem executadas), a presença de amigos e parentes, a beleza da igreja... Mas, o que mais chamou a atenção foi a elegância com a qual o padre Jorge recebeu o pastor da igreja luterana, que fez uma bela fala que lembrando que uma mais um é mais do que dois.
Se já disse isto, peço perdão pela repetição: se há algo de belo em nosso país é a nossa vocação para a tolerância. Não digo que não tenhamos preconceitos, pois os temos de sobra. Todavia, só no Brasil um árabe pode ter uma loja ao lado de um israelita sem que eles pensem em como se matar mutuamente a cada dia.
A própria Igreja Nossa Senhora do Carmo tem uma disposição arquitetônica incomum. Pois havia uma regra (dessas que nunca foram escritas) de que os escravos não podiam passar da torre (pelo menos assim me disseram). Então, esta repousa majestosa nos fundos, permitindo que todos comparecessem as missas.
Um jeitinho brasileiro, no final das contas, resolveu mais um problema insolúvel. Digo que neste caso que não há nada de pejorativo no diminutivo de jeito e muito menos em ser brasileiro, pois assim somos: pessoas capazes de resolver de problemas incríveis.
Por falar em igreja, a primeira cisão desta ocorreu justamente pelas mãos de Lutero, então a presença de um pastor luterano em uma igreja católica só me faz pensar em re-união e, também de um modo profundo a beleza da religião que em seu sentido primário significa re-ligar.
Deus nos fez diversos, mas tenho certeza de que Ele nos quer tolerantes e unidos e este também é o meu desejo para o belo casal.

sábado, 22 de setembro de 2012

pés


Resolvi tomar pé da situação que você me disse ao pé do ouvido, só para saber em que pé está. Já não sei se posso dizer que o trato está de pé, pois observei que o pé direito do prédio não tem sequer dez pés, e a porta não abria nem com pé de cabra. 
Lembro que você estava à sombra de um pé de laranja lima quando bateu um pé de vento, então me disse iríamos tirar o pé da lama e que o mundo estaria aos meus pés. Só que ao pé da letra o projeto não tem pé nem cabeça. O que, me desculpe, deixou com um pé atrás e a orelhas em pé. Afinal você não estava com os pés no chão, pois você trocou os pés pelas mãos.
 Acordei com o pé esquerdo, chutei o pé da barraca, me sentindo um pé frio e fiquei com pé de atleta, pé chato e bicho de pé; só tendo pé de moleque para o almoço, já que o pé de meia que eu tinha feito sumiu de repente como um verdadeiro busca pé, o que me deixou com um pé na cova.
Depois me acalmei, e vim conversar contigo pé ante pé, sem enfiar o pé na jaca e lhe disse na ponta dos pés o que só poderia ser feito ao pé do altar, mas sua resposta foi um verdadeiro pé na bunda, como se eu fosse um mero pé rapado.
Tudo bem: sei que não começamos com o pé direito, quem sabe na próxima vez nosso arrasta pé no pé de serra não vai dar pé, mas por enquanto vê se não pega no meu pé.

CORAÇÕES AMIZADES E AMORES


Ambos Robertos eram guerreiros
E cada um amava sua Fernanda
Mas o que eles ainda não sabiam
Que esta simples coincidência
Faria nascer neles
Aquele tipo de amizade
Tão intensa quanto os seus amores
Resolveram então
Escrever na árvore
(Aquela que foi bombardeada logo depois)
Roberto e Fernanda
Dentro de um coração fajuto.
E quando da cerejeira
Só restava um toco
Um casou com sua Fernanda
E o outro resolveu amar
A outras mulheres

O fato é que um terceiro Roberto
Que não amava uma Maria sequer
Só viu naquele coração de limo coberto
Nada além de uma pieguice qualquer

segunda-feira, 10 de setembro de 2012


MAIS UMA VEZ O TEMPO
“Preciso não dormir até se consumar o tempo da gente”
Chico Buarque
Cronos era um devorador de almas, devorava a beleza, a força física, o prazer do amor e até os cabelos. Cronos soube que um de seus filhos iria destroná-lo, então decidiu engoli-los um a um. Para quem já sabia ou acabou de desconfiar, é isto mesmo Cronos, o mais poderoso dos titãs, era ninguém menos do que o tempo.
Acredito que minhas queridas professoras de meu (inacabado) curso de letras já devem estar preocupadas com a coesão e coerência de um texto que mais adiante irá se propor a falar de filmes infantis, pelo menos este parágrafo não tem qualquer ligação aparente com o anterior e também não vai ter qualquer ligação com o próximo. (ou seja, meninos não me tenham como exemplo de redação sob o risco de uma nota redondíssima)
O fato é que tenho cada vez mais aberto mão de ver filmes ditos adultos para curtir os infantis, em especial aqueles com as moderníssimas técnicas de animação, ou outros cujos efeitos especiais simplesmente estonteantes.
Então o que eles têm a ver com o tal do tempo?
Eles demoram um bocado para sair do forno, algo raro nos nossos dias em que a velocidade e a pressa nos obrigam a ter sempre soluções no máximo razoáveis em prazos fatais cada vez mais curtos.
Tenho um amigo que define isto com perfeição: a melhor parada militar não serve de nada se estiver pronta em oito de setembro. Só que nem tudo deveria ser assim. Deveríamos nos dar tempo para obter resultados de excelência de quando em vez, para que Cronos não nos devore no lugar comum do tanto faz e tanto fez.
Há muito tempo tinha o prazer de passar em frente ao velho cinema de meu bairro, lá no Rio para me divertir com os cartazes das pornô-chanchadas, sempre combinadas com filmes de caratê. Os títulos faziam parte do que iríamos usar para mangar dos colegas durante os próximos sete dias. Hoje quando a TV invade nossos lares com programas de pura violência e promiscuidade, me parece que a brincadeira, finalmente perdeu a graça.
Na contra-mão (e graças a Deus) passam filmes infantis cada vez mais interessantes. Espero, então que as técnicas de animação permaneçam difíceis de dominar por mais um bom tempo (olha ele aí de novo!), fazendo com que estas obras de arte permaneçam tão bem cuidadas por muito tempo (não disse?).
Mas se é para citar alguma obra infantil, permitam-me mais uma vez lembrar do campeão: “foi o tempo que gastaste com a tua Rosa que a fez tão importante” (bem, se a citação não é exatamente esta me desculpem, pois estou sem tempo para revisões!).    

domingo, 9 de setembro de 2012


Marlon wouldn’t sleep again, but that didn’t matter anymore as he couldn’t remember the last day when he could fall asleep it without his long and painful ritual. And since it wouldn’t make any difference anyway, he decided to go downstairs and fix himself some coffee.
All recent facts of his miserable life were around every step in that old floor and every piece of that old fashioned furniture: the pink empty cradle… the king size bed, built for two as the bike in that old song… her picture, hanging over the fireplace, kind of smiling to the long lost days and kind of crying for the happiness which wouldn’t come to that lifeless eyes.
His old man tried to tell him that Karen wouldn’t stand such hardship - oh! Lord! - If only had he listened… What would he have given to make things just a bit differently? “To late” - he said aloud as if someone had asked the same question once again.
The kitchen was the only corner which had changed, but not much, after her departure, and the new coffee machine was his best listener then.
On the outset some palls would listen to him and give some advice, then the most sympathetic ones would answer with a nod or two, later their number decreased and finally the coffee machine would replace everybody.
That doesn’t matter- he lied to himself – sob stories aren’t very popular after two weeks, but some sobbing would last for good, a bad combination indeed!
A crack near the front door announced that somebody would ring the bell, but the annoying sound never came.
He tried to play it cool, and he might have succeeded if Linda’s dog kept silent. The middle-aged man walked slowly and nervously unlocked the door, but nobody could be seen around at first, but down he looked and there it was: the basket I still keep in my cabinet!
You may say that I am a total nut but I really remember his look when he was lifting the basket, or you may say that what I remember was the recollection of other people, or anything like that, but listen to what I say I DO REMEMBER.
Sometimes I think about it and then those sixty-five years between that Christmas Eve and today seem to be unimportant.
That day I was the greatest treasure of my daddy. 

LET IT BE

“When I find myself in times of trouble
Mother Mary comes to me
Speaking words of wisdom
let it be”.

Dividia meus dias entre Friburgo e Rio de Janeiro na época, estava solitário e ainda não sabia como gerenciar as dificuldades de meu novíssimo trabalho, achava que bastava me formar e tudo de repente ficaria bem. Mas a vida, esta é uma caixinha de surpresas como diria Joseph Climber, mostrou-me que quando nós atingimos um objetivo logo aparecem outros.
Naquele momento, ainda não entendia que o processo de crescimento não está diretamente ligado ao que sabemos, mas sim à nossa capacidade de suportar pressões.
Quando me encontrava em momentos turbulentos, ligava para minha mãe, Maria (Augusta), e ela dizia palavras de sabedoria: deixe estar.
Via de regra não sabia que ela estava justo passando por uma de suas tantas crises de falta de ar, ou que meu irmão tinha sumido por dois dias sem dar notícias, ou que as dívidas dela ultrapassavam como um foguete as minhas.
Afinal esta é uma relação uni-lateral, ou melhor a sua pluralidade só se revela quando temos filhos. Só então é que vamos compreender uma série de atitudes loucas que nossos pais tinham e, de onde vinha aquela tranqüilidade diante de problemas que nos pareciam insolúveis.
Sempre digo para os meus alunos do curso de física que geralmente a resposta certa é: eu não sei, e quando, ao contrário disto, temos todos os dados e eles já estão devidamente organizados a resposta estará embutida na pergunta.
Entre uma coisa e outra há um enorme vácuo: questões insolúveis e problemas fáceis se distanciam em uma área de manobra, nela é que encontramos o espaço para viver plenamente. E é aí que devemos procurar alguma referência, ela é que vai dizer qual é o desenho de nossa trajetória, em qual velocidade estamos seguindo, qual deve ser a aceleração; ou seja: é preciso ter uma base para ir adiante.
Na década de noventa a minha maior referência tinha quase setenta anos, e destruía três maços de cigarro ao dia, sofria de várias doenças cárdio-pulmonares, só que se o bicho pegava lá estava ela firme, um colosso!
Hoje não tenho para quem ligar quando algo assim acontece, somente ouço a velha melodia dos meninos de Liverpool, e se o universo não vier a concordar com os detalhes que queremos para nossas vidas e as situações ultrapassam a nossa capacidade humana, só há uma resposta: deixa estar.


A PONTE

Tenho relutado um bocado em escrever nestas últimas semanas e de um modo estranho devo admitir que não se trata de falta de idéias, mas do excesso delas, o que quase certamente vai tornar este texto praticamente ininteligível, devo confessar.
                         Dentre as idéias devo destacar o fato de que finalmente parei na estrada entre o Carmo e Nova Friburgo para observar as ruínas da ponte seca e realizar o antigo desejo de parar em uma estrada me permitindo olhar longamente algo que me chamasse atenção de um modo único.
Tudo bem... Vou descansar as armas e admitir que já parei no alto do Soberbo para ver o Dedo de Deus um pouquinho mais, mas isto não vale, todo mundo que conheço e que passou pelo menos duas vezes pela BR – 116 já fez isto.
Quero dizer com isto que certos Landmarks (desculpe-me se não achei a palavra adequada em português por pura preguiça – mas o contexto... se é que há algum, vai definir a palavra de um modo adequado, e você meu amigo vai desistir de procurar um dicionário antes mesmo de tentar me internar em um manicômio) sempre me chamaram atenção por algum motivo insólito. Só para citar um exemplo uma colina existente na mesma estrada que motivou este texto, que é vista no Alto dos Micheis, lembra uma baleia se vista de um ângulo e um elefante se visto de outro. O formato da pedra, portanto, me tomou algumas horas com o pensamento de qual nome ela mereceria, em especial para um índio que nunca tivesse visto qualquer dos dois gigantes mamíferos.
Bem, nesta altura do campeonato você deve estar querendo me matar caso eu não explique o que é uma ponte seca, e correndo o risco de ser brutalmente esquartejado ainda vou me fazer de desentendido falando que não podemos confundi-la com Sérgio Porto apesar de ser uma ponte preta.
Desculpe-me mais uma vez, a piada infame foi irresistível... E, ta bem: uma ponte seca nada mais é do que uma que não passa sobre um rio, mas sim sobre uma depressão no terreno.
Muitos amigos, dentre eles o melhor que tenho, possuem formação ou algum conhecimento de engenharia, para estes toda esta explicação é, de fato, desnecessária. Com eles eu pararia para discutir um tema antigo, o hábito de chamar pontes e viadutos de obras de arte. Nunca achei que os elevados que enfeiam os centros urbanos merecessem este nome, por mais belos que fossem os cálculos matemáticos que permitem que eles se mantenham de pé (que os anjos digam amém).
Mas a ponte seca de Murineli é com certeza uma obra de arte!
Sempre foi, mesmo quando a sua intencionalidade era utilitária, e aqui peço perdão aos outros amigos que tenho e que conhecem a definição acadêmica de arte, arte pela arte, artes plásticas e (ufa!) outros baratos mais.
Sei que minha visão é parcial, posto que na primeira vez que ela me chamou a atenção eu tinha acabado de ler “As Brumas de Avalon” e a comparação com os templos dos druidas foi inevitável, passava por ali pensando que o ar se enchia de magia cada vez que avistava o monumento. E devo admitir, que o primeiro espanto foi fruto da ignorância quanto ao propósito daqueles (mais tarde vim, a saber, sete) pilares que formavam um arco, e o que faziam ali perdidos no meio do nada. Pensava que se tratava de uma antiga fortificação, até que um dia tive a sorte de viajar com um amigo que conhecia as ruínas e me explicou toda a história e o nome daquilo tudo, e por fim a piadinha com o autor de FEBEAPA.
O estranho de tudo é que o conhecimento não diminui de forma alguma a magia das grandes obras, apenas a transforma. Tinha a certeza de que sentira algo especial quando fizesse a escalada da colina e visse a obra de arte por outro ângulo.
Mas quando isto aconteceria? Sempre me encarreguei de passar com pressa naquele lugar, lembro-me, por exemplo, de uma vez que decidi vir a pé de Friburgo ao Carmo, o que acredito poderia fazer em umas doze horas e seria uma oportunidade impar; mas naquele dia um colega de Carmo me viu e fez questão de me dar carona, para no caminho me falar de todos discos voadores que já vira. Quase o convidei para parar no local indicado, bastava lhe dizer que ali devia ser um campo de pouso, mas como não sei se ele estava falando de discos voadores a sério e como o Hospital (psiquiátrico) Teixeira Brandão fica na mesma estrada, resolvi não arriscar uma internação dupla. Afinal admitir a loucura quando escrevemos é muito mais fácil do que quando vivemos.
Adiei mais uma vez o desejo de parar no caminho, o que finalmente aconteceu ontem.
Parei e entrei na estrada de chão que leva à ponte seca e ao chegar ao pé da construção fiquei impressionado por ver que ela era maior do que parecia ser quando vista da estrada. Passei espremido pela cerca e estava tão motivado que não me senti sequer cansado, a despeito do meu atual preparo físico.
Aqui chegaria o ponto no qual eu deveria descrever o lugar e passar a emoção que me tomou quando lá estive.
Passo.
Não acredito que alguém seja capaz disto.
Com certeza as palavras iriam tirar boa parte do brilho que o momento teve.
Do mesmo modo me abstenho de tentar uma conclusão retumbante do acontecido, posso apenas lhe aconselhar a jogar este texto fora e buscar seu próprio Landmark.


sábado, 8 de setembro de 2012


SINERGIA

            Ouço sempre por aí: “menos com menos dá mais”. A verdade é: nem sempre, depende da operação matemática. Da mesma foram é belo ouvir “um mais um é sempre mais que dois” de uma maravilhosa música de Beto Guedes. Quase concordo mas não é sempre.
            Depende da operação, mais uma vez, e isto ocorre quando o seu sim combina com a energia do outro, aí é pura poesia.
            É arroz com feijão.
            É um monte de notas fazer uma ópera de Mozart.
            É uma mulher olhar para um homem e nele ver a sua futura família.
            É uma Lótus na mão do Senna, começando aquela história que já sabemos de cor.
            É o Nemo ensinado peixes virtuais a nadar na mesma direção.
            É Toquinho fazendo música para Vinicius colorir sua aquarela.
            É um monte de partículas virar um átomo.
            De átomos moléculas.
            Moléculas a vida.
            A vida você.
            E você não pode ser reduzidos aos seus passos, seus percalços, a seus pedaços.
            É ser um em muitos e muito mais do que seus próprios limites.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

MISTAKES

Sometimes
One says
What he does not feel
Just to hurt someone else

Sometimes
One takes a road
Just to leave
A city behind

Sometimes
One takes
What he does not want
Just not to be who he is

Sometimes
This one
Could be me
And the road
Just a way
To run away from myself

Sometimes
Don’t listen to what I say, Miss
‘Cause you don’t know
How hard is to take a road
When another, so much you miss.

Take, my Miss, what I give:
My way
And my
Mistakes. 


GHOSTWRITER
 
It takes a ghost to make a ghostwriter 
It takes guts to say out loud 
Things which no one wants to hear 
It takes more than one hundred heartbeats 
To complete a minute of anticipation, anxiety or pain 
And no less than a century 
To forget 
Or forgive. 
 
It takes poor eyesight 
Not to notice your distress 
Just when you were so close 
But it takes eagle eyes to face you again. 
 
It takes a faithful heart 
To believe 
To suffer in silence 
And a strong one 
To stand by your side 
When the rain fell so hard. 
 
It takes one's hand 
To grab a pencil 
It takes a poet 
To write down 
 
And this one may pass the same roads 
In the old search for something new 
Trying to tell what everybody knows 
Though few dare to say. 
 
It takes no more than my sad eyes 
To let warm drops of feelings 
Mix with the words 
Which, I should have told you. 

JOGOS DE ENCAIXE


Daquilo que  já  quis  te  dizer
         Há  algo  que  não  calou
Mas     Até quando os espaços
Se isso           Já   tão   esparsos
Simplesmente       Te oprimiam
Ainda não é tudo           Te amo
Então perceba  também        Só
O quanto os nossos corpos
Se  encaixam  com  perfeição

MARGINAL

Em meus sonhos
Ando sobre um fino fio
Fino e cortante.

No escuro o fio se projeta
Ares estratosféricos

Por que
Não mergulho no ar
Ou simplesmente não finjo escorregar
No sangue que lubrifica
A corda bamba?

Não entendo por que
Não fui dotado com o contentamento
Que a tantos norteia

Continuo subindo...

Mais tarde percebo
Que a linha em que ando é a borda de uma folha
Tem ambos lados de uma questão

Na margem
O marginal
Entende
Que viver no frio fio da navalha
É preciso
Para viver o todo.


domingo, 2 de setembro de 2012


Clara


A face se move lentamente
Em descompasso com o braço movido à pilha
E os olhos quase claros
Se perdem no sonho de uma ilha
Onde gaivotas e nuvens claras
Sempre povoam o ser.

A mãe quase cede ao cansaço
Mas o tempo escasso não perdoa
E uma cochilada à toa...
A menina não se importa tanto
E dependurada se agarra a primeira estrela que vier
E quase nada pode fazer este momento mudar.

A idéia de unidade abraça as duas
E de repente nuvens gaivotas e ilha
Envolvem mãe e filha.

Meus passos pesados, desastrados são pedras no lago.

A mãe acorda
Olhos pesados, passados...
Quase pergunto
Mas é claro que Clara
Passou a noite em claro.


UNIDADE

                                              
Nunca aprendi
A equacionar ou dividir
Os impulsos elétricos
Que teimam ecléticos
Em fugir
De um lado ao outro
Deste cérebro muito louco.

sábado, 1 de setembro de 2012


KD VC Q É + Q D +?

Um amigo mostrou, orgulhosamente, uma mensagem assim de sua namorada: Kd vc q é + q d +?, depois  do primeiro susto acho que entendi o significado carregado de paixão e saudade. E passado o segundo, suspirei pensando: por que não.
Não é de hoje que venho discutindo que muitas vezes a beleza e a complexidade de nossa língua nos leva a discriminar as pessoas que não conseguem falar nos padrões dos jornalistas das 8. O português deve, a princípio, ser um modo de comunicação entre as pessoas e não de exclusão.
Outro detalhe é que a linguagem é o que mais nos aproxima dos animais com alta organização coletiva. Fiquei espantado em saber que um cupim, por exemplo, não tem toda informação genética necessária para construir um cupinzeiro: um sabe fazer o lado esquerdo de um arco, outro o topo e, ainda outro o lado direito.
Entendo que a diversificação do conhecimento também nos aproxima disto. Agora mesmo ao invés de escrever este texto estou digitando. Isto significa que uma série de parafernálias mecânicas e eletrônicas estão funcionando a cada catada de milho que dou. Ainda sem contar com um (abençoado) corretor ortográfico que tinge de rubro palavras como invez ao invés de invés. Ou seja este texto é coletivo, e não tenho total controle de todos seus detalhes.
A mobilidade da linguagem também faz com que possamos interferir e sofrer interferências de um modo intrincado que nos leva a sepultar umas palavras, criar outras e ressuscitar ainda outras enriquecendo o seu significado.
Imagino que serei crucificado por alguns gramáticos de carteirinha por esta opinião: me sinto de fato incomodado pelo uso de simplificações internéticas (ih! Outra palavra que o corretor não reconhece!) nas palavras, mas tenho que admitir que é assim que as línguas evoluem.
Já pensou se eu admitisse em público de que tenho a opinião de que o verbo haver com o sentido de existir não poder ir para o plural como uma total (e incompreensível) loucura?
Nesta confusão toda só me preocupa o fato de que as pessoas estão transgredindo regras que não conhecem; diferentemente de Picasso, que antes de pintar de um modo alucinado provou que sabia como fazê-lo como se fosse uma fotografia.
Admito ainda que já critiquei muitas pessoas que comem com gaufo (é... desta vez o corretor vai ficar a ver navios). Até que um dia apresentei Anthony, um amigo que vem ao Brasil sempre que pode, apesar de seu minguado salário de jardineiro em Londres, a uma moça que arranhava um inglês sofrível. Logo que ela saiu de jogo cai no malho. Mas meu amigo de dedo em riste me disse que temos que ser tolerantes com as pessoas que não falam tão claramente. Afinal ela fez o possível para se comunicar e que na vida não existe nada mais belo do que duas pessoas que se entendem.