quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Valdemort

 Procurei a etimologia da palavra “análogo” e esperava uma dessas histórias deliciosas nas quais a origem da palavra remete a interpretações complexas e edificantes, me frustro ao saber que vem do latim com a simples explicação de “semelhante a”.


Faz parte. É uma palavra chata mesmo que nos leva a duas expressões sobre as quais tenho refletido muito, que são: “análogo a escravidão” e “análogo ao terrorismo”. E de onde vêm esses dois monstros? E por que não dizemos as palavras assim cruas sem sua companhia chatíssima?


Simplesmente o fato de que escravidão e terrorismo não encontram respaldo legal para explicar algumas coisas que têm acontecido por aí. E acusar terroristas e escravocratas sem dizer que essas pessoas são análogas a escroques pode trazer sérios problemas legais.


Tomemos por exemplo a palavra sequestrar para uma compreensão ágil do que estou dizendo. Recentemente o Maninho me perguntou quanto tempo fica preso alguém que sequestra. Respondi: “umas duas encarnações”, o que não poderia ser menos exato.


Quem sequestra por um dia fica preso por trinta anos, mas quem sequestra por trinta anos não fica preso nenhum dia, pois isso é apenas algo análogo a escravidão.


Filosofar ao invés de fazer direito ou jornalismo nos dá a chance de ir seguindo sem nos preocupar ao dar nomes corretos as coisas que são, do mesmo jeito que nos ensinou Harry Potter. Se tem focinho de porco, pé de porco, rabo de porco, joelho de porco e não é feijoada... só pode ser porco.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Sobre os remos do Remo

Vejo o letreiro de publicidade que diz:" Não somos melhores nem piores, apenas diferentes ". E quem não quer? Talvez se descobrir como o único filho do distante planeta Kripton, ou ter sido picado por uma aranha radioativa, ou ainda ter uma cicatriz em forma de raio na testa? Quem sabe aquela brincadeira dos seus irmãos mais velhos de que você foi achado em uma lata de lixo no fim das contas apenas comprove que você seja o último da linhagem Romanov?

Quem nunca?

E não adianta tentarem lhe explicar que todo ser humano é especial. Você é diferente. Só que vamos combinar, quem não é? É lógico que vai sofrer bullying em algum momento. Você é ... muito alto, muito baixo, muito gordo, muito magro, fala muito, é muito calado, gagueja, tem um tique nervoso... ou qualquer outra coisa. Na verdade, pouco importa. Você é diferente e vão tentar lhe levar para fazer parte de uma manada.

Imagina se você tem um nome absurdamente incomum e aprende qualquer coisa que envolva lógica com uma velocidade não menos incomum. Pronto: temos um nerd. E junto com o pacote vem todas as outras etiquetas adjacentes incluindo o ego que insiste que você veio de Vulcano.

Um bom remédio para isso é remar, em especial se você é um remo. remo assim, minúsculo mesmo, apesar do corretor ortográfico insistir em lhe sublinhar em vermelho na tentativa de dizer que algo está errado. E tudo isso ocorre quando há uma desconfiança geral em qualquer pessoa que queira lhe ensinar algo. Deve haver alguma ideologia oculta no cara que insistia que analfabetos deveriam ser alfabetizados para se tornarem agentes políticos de sua própria vida. Imagina então quem queira lhe falar que a forma que você pega um remo pode melhorar.

Então já ultrapassamos de longe do quanto o Remo pode lhe ensinar, até mesmo se você é o Remo, mas sim o quanto o remo pode lhe ensinar, pois sem isso a canoa não sai do lugar.

domingo, 18 de dezembro de 2022

Quatro tempos

Os acordes se perdem entre os olhos e as mãos. 

Entre o aço ou nylon, dissonante ou amante, na batida feroz ou no bailar do dedilhado. A difícil pestana que se perde no traste. Em um compasso improvável tudo que começa em um estranho sonido, simplesmente passa a fazer sentido. 
Lá na parede os ponteiros saltam.
As horas correm no braço do meu violão 

sábado, 10 de dezembro de 2022

Edelweiss

Essa música pode ser executada como valsa e faz parte da trilha sonora de “the sound of music”, que conta o bailar de uma rebelde noviça que buscava pelo entendimento de qual sacramento ela deveria buscar para melhor servir a Deus.

Em seu caminho vai ser governanta de sete crianças mimadas que não a aceitam incialmente, para educá-las ela passa a usar as sete notas trazendo a música de volta para aquela família que não sabia o que era a felicidade desde que a mãe partira.

O pai de início também não compreende, mas logo se vê arrebatado pela bela canção que conta a história da florzinha, branca e frágil que toma os campos e fazem com que sintam saudade de uma terra amada.

Essa flor vai trazer uma reviravolta inesperada para o filme, cuja história precede os tristes anos quando o nazismo estava prestes a tomar a Europa, levando toda a trupe a uma difícil travessia dos Alpes para buscar refúgio, onde as flores frágeis como a democracia pudessem ser cultivas sob o Sol, logo lá, para mim e para si.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

O polegar do diabo

 Ganhei um grande presente de um grande amigo. O Assueiro indicou um livro porreta e esse conta a história de quando as modificações genéticas ocorridas ao acaso trazem melhoramentos. Imagino que se você é nerd, como eu e o meu amigo, sempre sonhou em ter algum fator genético peculiar, mas... peraí, a ideia é péssima pois tais diferenças genéticas quase que invariavelmente são traduzidas na vida das pessoas como doenças.

Até mesmo quando trazem algo único e admirável tais modificações podem tornar a vida do super-herói em uma odisseia, como é o caso do violonista que tinha uma doença impronunciável que tornava suas articulações absurdamente flexíveis. Então apesar dos inconvenientes diários o gênio era capaz de performar e produzir notas impensáveis para os mortais.

Como todo mundo vê os tombos e não sabe a cachaça que os outros bebem era muito mais fácil dizer que a sua habilidade viria de um pacto faustiano com o infame anjo, caído, da luz. Em resumo, ninguém quis saber quantas horas dele foram dedicadas ao violino.

Estou no lado oposto dessa trama, do mesmo modo que insisti em aprender a pegar jacaré apesar de nadar mal pra cacete. O que se resume naquela velha vocação a autodestruição tão comum aos adolescentes. Na mesma vibe tenho passado os últimos oito meses tentando aprender a tocar violão, um sonho antigo que só agora encontrou espaço na minha agenda.

O processo semanal tem sido repetitivo. Nas quintas assisto a aula do professor Renato e fico encantado com a habilidade que se reflete na relação dele com o violão e com a gente, afinal ele é violonista como poucos e gente como a gente.

No dia seguinte é o desespero de tentar reproduzir o que conseguimos sob a portentosa égide (gastei o latim) do mestre. Depois o aprendizado de verdade acontece com horas de bunda na cadeira e no caso específico do violão no contar dos calos nos dedos.

No fim das contas aqui estou eu de novo com a mesma sensação que tive diante da onda de dez pés que me exigiu nadar de verdade mesmo sem saber. Hoje o nome dessa onda é Oceano, uma composição fodástica do Djavan.

Sei que posso morrer na travessia, pois amar é um deserto e seus temores. Mesmo assim lá vou eu habilidade tendendo a zero e teimosia tendendo a mil sabendo que no fim das contas vou atravessar esse oceano, mesmo que seja no nado estilo cachorrinho.  

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Sobre as garotas que vêm e as que passam

Semana passada fui ao dentista, como era a primeira consulta tive que explicar que minha esposa não pôde ir, desculpas aceitas e logo me veio em mente que essa mesma história não passaria em brancas nuvens há 40 anos.

Naquela época eu era um nerd desengonçado e a qualquer momento que eu dissesse aos meus amigos que minha namorada não poderia vir alguém logo perguntava: a garota imaginária?

Essa mesma! Eu fingia que estava tudo certo, quem sabe essa tal garota que povoava meus sonhos era a verdadeira expressão da raiz quadrada de menos um. (ria! Isso é uma piada, mas se você não entendeu assista minha aula sobre números complexos, e não se esqueça de deixar um like e compartilhar).

Naquele tempo eu vivia o paradoxo do panda. Queria ser fofinho, mas o caldeirão de hormônios me empurrava inexoravelmente a condição de macho tóxico (o que leva os tais pandas a constituírem uma espécie em risco, pois os machos, definitivamente, não sabem lidar com as fêmeas). Eu era um ser fadado a extinção caso não encontrasse muito rápido uma solução para o dilema. O que pode explicitado pelo fato de que nunca vi uma garota voltar para dizer que tinha curtido o grito de GOSTOSA! OH, LÁ EM CASA! E dizer: que legal também estou a fim de você.  

Repare que isso era comum na cultura da época, basta ver os programas humorísticos das décadas de 70 e 80 para entender o porquê de não sabermos nos aproximar das meninas sem parecer verdadeiros ogros. Erámos teleguiados por uma cultura que reduzia o feminino a louras burras ou mulatas do 88.

Fui salvo por um velho babava enquanto via passar uma linda jovem, cujo andar sincopado, o tornava depressivo diante da tal garota que nem se dava conta de seu desespero.

Outros o foram pelo programa “Sai de Baixo” que evitou um monte de suicídios no crítico horário do fim do domingo, justamente quando as lojas se fecham e a depressão bate. Era o momento em que a tristeza desvanecia diante da fala: “Poxa que coxa, Magda!” Na mesma catarse que a menina que passa se transforma em música a caminho do mar de Ipanema.

Enfim, a arte nos salva da barbárie.

Sei que meu papel pode parecer o mais difícil de desempenhar. De fato, ser um lobo da estepe, não é para qualquer um. Entretanto, não vou me fazer de vítima das circunstâncias, pois para cara de mais de quarenta que pede perdão por não saber muito bem o que estava fazendo há sempre uma menina com um monte de indicadores em sua direção por saber exatamente o que estava fazendo.

Nos cabe entender que o papel de herói nessa história cabe a elas, cada uma que não ficou adormecida esperando um príncipe otário e foram à luta. É passada a hora de deixar de lado o poxa que coxa, Magda para dizer: poxa que cérebro, Mariza.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

O que aprendi com o Cereja

 Deveria estar surpreso pela notícia na TV: “Bombeiro salva bebê por telefone”. Isso se não tivesse conhecido o Corpo de Bombeiros por dentro e lá a gente aprende coisas como: “alguém ainda pode se esforçar outros 30% quando não aguenta mais”; ou “temos que correr para o lado oposto das pessoas que estão fugindo de um lugar quando tudo dá errado”; ou ainda que “somos chamados quando nenhum outro se predispôs a resolver a situação, seja ela qual for”.

Lembro que vi na telinha o mesmo sorriso cativante que conheci nos meus primeiros anos de profissão, um tal de Nelson, que em nossa segunda casa se apresentava como Cereja.

Só para vocês terem uma ideia da figura basta dizer que ele acabou detido simplesmente porque era incapaz de perder uma piada. Um cara que costumava elogiar os companheiros com um singelo “até que você não é tão burro, só carrega carroça por diversão” Ou ainda que conquistou o coração de minha mãe com menos de trinta segundos de papo.

Os Bombeiros de Nova Friburgo tinham em seu bojo caras geniais em diversos aspectos da profissão. Há um dito que no Corpo de Bombeiros pode se encontrar do palhaço ao astronauta, então minha primeira impressão logo o colocou na posição de bufão. Por outro lado, anos depois ele confessou que pensava que eu teria aprendido a soltar pipa no ventilador e jogar bola de gude no carpete. O tempo se encarregou de nos mostrar o quanto estávamos errados.

O fato é ao ser deslocado para o famoso “Forte Apache da Serra” assim que me formei aspirante a oficial eu tinha toda a teoria socada da minha cabeça. Concomitantemente anos de tropa levaram o meu amigo a ter o que chamamos de manha, algo que não se conquista em apenas uma manhã.

Um dia após um socorro que não havia sido exatamente um sucesso perguntei aos componentes da guarnição o que havia ocorrido de errado, todos outros silenciaram. Cereja, no entanto, nunca foi adepto da ideia de que quando um superior hierárquico fazia uma pergunta sobre desempenho o mais prudente seria elogiar. Teve a gentiliza de me chamar em um canto e disse o que passou a ser meu lema desde então “se quiser ser ouvido fale baixo”.

Só verdadeiros amigos nos ensinam isso. Também posso dizer que só um sábio é capaz de acalmar uma família enquanto mobiliza um socorro e explica com um altruísmo gigante o que fazer para salvar o bebê.

Pelo tempo que passou acredito que esse menino deve estar beirando a adolescência, se eu fosse ele rezaria todo santo dia por um velho bombeiro que foi instrumento nas mãos de Deus para que ainda tenha o sopro da vida.

domingo, 13 de novembro de 2022

Símbolos

 

Seguimos sem o amor por princípio. Até entendo que ficaria difícil levar a sério essa palavra fora do contexto poético, em cartas para a namorada ou em bons dias fofinhos do zapzap. Entretanto, sua ausência grita em nossos ouvidos. Basta saber um pouquinho de filosofia ou ao menos conhecer o lema positivista completo.

Dá até para imaginar a conversa nas casas de Orleans e Bragança tomadas por Deodoro da Fonseca: “o lema ficou muito longo”, ou “tira o amor”, ou ainda “não vão nos levar a sério”. Resumindo lembra muito aquela anedota que explicaria o porquê de o sete ser cortado. “Moisés anuncia as leis ao povo que acabara de ser liberto da escravidão e ao chegar ao sétimo mandamento explica que não deveriam cobiçar a mulher do próximo e um gaiato lá do fundão grita: corta o sete!”.

O problema é que símbolos explicam muito e influenciam mais ainda, outra anedota, esta provinda dos tempos da guerra fria e consequente corrida espacial é muito didática: “Se os russos chegarem na lua primeiro vão pintar ela toda de vermelho, então os americanos vão aproveitar o pano de fundo e escrever: Coca-Cola”.

Já o alemão construído pelo Partido Social Nacionalista explica exatamente como os símbolos são modificados, roubados e ressignificados. Basta trocar a orientação para dizer adeus ao amor proveniente da cruz gamada, um símbolo hindu milenar que traria boa sorte.

Aqui nos cabe o exercício poético para entender o que seria a tal ausência do amor, me socorro com Vinícius que explica “quem sabe a morte, a angústia de quem vive”, ou do Leoni em “noite e dia se completam no nosso amor e ódio eterno”, ou ainda do Lulu que ama calado como quem ouve uma sinfonia.

Começo com o medo, não como oposto do amor, talvez sua ausência. Basta explicar para quem está confortável o que pode se perder. Continuo com fundamentalismo maniqueísta onde só quem faz parte de sua bolha pode ser reconhecido no espelho tão bem cantado por Caetano em Sampa. Assim se clama pelo extermínio do outro, aquele não somos capazes de enxergar nas mesmas águas onde Narciso se afogou por se apaixonar pela própria imagem.

Sob o mesmo símbolo pode se encontrar o reflexo onde reafirmamos o que jamais seríamos capazes de fazer no deserto onde te encontrei, estranha e só. Lá a Loba do capitólio se resume a uma cadela acorrentada, vivendo o que lhe resta de uma Síndrome de Estocolmo.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Poesia

Poesia é para tudo.
Tudo que é vívido. 
Tudo que é vivido.

Curriculum Vitae

 Talvez você ache estranho que eu venha a lhe encontrar justo aqui nesse elevador e bem no dia em que finalmente vai se encontrar com o chefe para apresentar suas credenciais. O quê? Não tá pensando que vai ocupar a posição que lhe foi prometida depois de ter feito tudo o que fez?

Sei bem qual é o humor dele desde aqueles dias. Você também sabe muito bem a história, já fui o preferido dele, considerado o mais gato, o mais esperto..., mas sabe como é, o chefe corta nossas asas em pleno voo. Porém devo admitir: não posso reclamar da posição que ocupo desde então, pelo menos não tenho que ficar do lado do otário do Gabriel tocando harpa o dia inteiro. Além do mais nunca gostei do clima frio lá da cobertura, sem contar que a companhia é muito mais estimulante lá pras minhas bandas.

O que? Não está me reconhecendo? Somos tão íntimos! Não lembra que você cansava de dizer que tudo ficava na minha conta? Mas vamos combinar não fui eu que gozava naquele seu pulgueiro predileto, nem mesmo tive a oportunidade curtir aquela viagem para o Havaí que você conseguiu pagar com o desfalque da grana para a merenda dos moleques.

Lembrou agora?

Ah, não manda essa de “a carne é fraca”, tô cansado desse papinho manda outra.

Cara, arruma outro lero-lero para enrolar quem te compra. Não pense que logo eu iria ficar o tempo todo sussurrando em seu ouvido o que fazer a cada instante. Se bem que acho bem divertido aquele desenho animado no qual me colocam no ombro do Pluto para dar conselhos, C sabe bem que não me importo muito com o papel de vilão. Só que nessa altura do campeonato é bem provável que já tenha desconfiado que não é bem assim que as coisas funcionam.

Perdão judicial? Gastou o latim hein, malandro? Só que não acho que você se qualifica.

O que? Claro que não! O tempo ajoelhado não vai lhe ajudar em nada. Na, na, ni, na, não! Os dez por cento que você andou pagando para lhe defenderem hoje não contam muito. Sabe aquela história de que o google sabe mais de você do que sua própria mulher? Então espera até conhecer o chefe! Se bem que no seu caso eu acho que o Pedro mesmo lhe despacha lá do portão. Sinto muito dizer que desde que aquele outro mané resolveu comparar o porteiro com uma pedra ele se encheu todo e acha que é o dono do pedaço. Só para você ter uma ideia ele mandou pintar o portão todo de dourado.

AAAAAh, essa agora? Não adianta tentar botar toda culpa em mim. Sabe aquelas sete “qualidades” que eu gosto tanto? Pois é, você passou com nota máxima em todos os quesitos. Só que na tal da vaidade... nessa aí eu poderia escrever um livro inteirinho só para você, bonitão.

Ah, bebezinho, engole o choro. Depois pega o mesmo elevador e me encontra lá no porão. Não vai ser tão ruim assim. Sabe aquela parada que você gosta e envolve máscaras e chicotes? Vou apresentar uma garota que é uma verdadeira diaba.

 

 

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Nero

 Apesar dos pesares devo admitir que os pedidos de bis não são mal nomeados como apenas um RESCALDO, para quem não sabe do que se trata de um rescaldo nas operações de combate à incêndios lá vai uma rápida explicação:

Quando as chamas vivas não mais se encontram presentes é chegada a hora de virar, revirar, re-reviar e re-re-reviar cada uma das peças, dos fardos e das estruturas onde o incêndio sorrateiramente ainda se encontra presente. É um momento de falsa calmaria quando há vários relatos de graves acidentes.

Aqui temos o incêndio em um teatro de operações. O que eram luzes e ribaltas se apresentam em cinzas e fios retorcidos. Apesar da rede elétrica principal ter sido desligada ainda há o risco do que chamamos de gatos, uma série de ligações ilegais. Logo sabemos que elas foram feitas pelo síndico do prédio uma vez que se achava dono, uma figura peculiar que não é muito afeito a seguir os preceitos mínimos de decência e sequer deu a ordem de evacuação da plateia tentando convencer a todos que eram apenas fogos de artifício e que o show não podia parar.

Aqui cabe lembrar que a palavra desastre é derivada da astrologia, uma des-estrela como um mal presságio e uma lembrança de que tudo pode sempre piorar. Afinal todos sabemos que o que é encenado como drama é sempre repetido nas comédias burlescas. E se nada der certo basta vender o imóvel para se transformar em stand de tiro

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Sobre a muralha que se rompe ao som da música

 Você tem um bregete que não sai da cabeça nome dele é corpo caloso (ou coisa parecida), não se preocupe faz parte do seu show, isso tem que estar aí mesmo como se fosse uma garotinha, cansada com sua meia três quartos. Sem isso seus dois cérebros (caramba – mal consigo acreditar que certas pessoas tenham um!) não conseguiriam se comunicar.

Sabe aquela metáfora dois lobos que temos dentro da gente e que escolhemos a qual deles vamos nutrir? Pois é. Se você é capaz de superar uma insistente formação maniqueísta lhe convido a nutrir os dois.

É justamente isso que tenho feito nos últimos seis meses. Traduzindo tenho andado grudado em um violão e mesmo sendo um cachorro velho tenho aprendido um truque ou dois.

Como todo aprendizado este tem me cobrado tempo, disciplina e longas reflexões.

Logo depois do básico algumas canções abrem seus braços logo nas primeiras tentativas. Não é delas que quero falar. Meu gosto por desafios vem me conduzindo por caminhos tortuosos e exigido horas a fio para conseguir tocar de um modo minimamente passável.

Aqui cabe desviar a rota para outra arte: Amo filmes infantis de animação. O que dizer, por exemplo, de Toy Story? Resumo em uma palavra: tempo! Como a técnica de animação usada estava em seus primórdios o time de produção teve tempo para desenvolver um roteiro brilhante e cheio de detalhes encantadores. Então quando há uma reprise não me canso de revisitar o cowboy e o astronauta de mármore, pois sempre há algo novo no velho filme.

Assim vou dedilhando Hallelujah. Lembro ter ouvido comentários sobre a música antes de aprender a tocá-la de que algumas igrejas proibiram sua execução para evitar controvérsia semelhante ao Cálice que trazia em seu bojo o nojo ao cale-se. Confesso que a poesia não se entregou de imediato ao meu coração e as referências bíblicas pareciam desconexas, só que depois de meus dedos quase sagrarem comecei a intuir a relação do eu poético com dúvida e espanto diante do sagrado.

Depois veio Depois que no contexto vivido ganhou outra dimensão ao perceber que despedidas ocorrem em diversas relações humanas. De fato, a Marisa Monte já havia me convidado a um lugar em que há pão em todas as mesas e o sonho nutre o mundo real. Ainda bem que nesse país agora apareceu você.

Voltando ao cinema não há como esquecer a perda trágica do autor de La bamba, no mesmo instante em que minha mão direita aprende uma canção ligeira na qual cada acorde tem uma batida diferente.

Sinatra me mostra o seu caminho por onde passa uma garota que o deixa desnorteado com seu andar ondulatório. O que poderia ser uma mera expressão de um machismo tóxico se transforma em uma coisa mais linda, só que antes ele tem que saber qual é o Tom.

Toquinho traz um colorido de tamanha beleza que nem percebemos que a conclusão de sua aquarela é seu próprio e inevitável fim diante de um menino que chega em um muro. Paula canta sobre uma relação abusiva que a primeira vista parece ser uma história de amor. Hebert Viana expurga suas dores de olhos fechados e mesmo assim encontra uma lanterna. Djavan reconhece os sinais de Almir Sater que vem devagarinho de chalana saboreando massas e maças. Roberto fala que as cartas para seu querido velho não adiantam mais, alerta sobre os espinhos nos caracóis dos cabelos do Caetano sem saber como expressar seu grande amor.

Assim vou caminhando e cantando nas favelas e no senado na esperança de lhe encontrar em Irajá ou Gaporé. Quem sabe se um dia eu aprenda as estradas do sol e possa encontrar o pombo que sonha pelos espaços abertos, livre de seus dolorosos anéis de metal. Finalmente poderei dizer ao menino que viu seus pais se separando que ele não deve carregar o mundo nos ombros e que a reposta é muitas vezes simplesmente: deixa estar.

É provável que seus dois lobos já tenham se perdido nesta cacofonia. Os meus encontraram um instrumento para que eu também possa assim o ser nas mãos de Deus. Então que nessa quadra da história tão lobotomizada que eu traga união onde reina a discórdia.

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Um pequeno teste

 Você está andando de bicicleta em uma cidade grande qualquer no Brasil. Estaciona e a tranca para fazer um lanche. Ao voltar para pegar ela percebe que colocou o cadeado errado prendendo a roda ao quadro, como o que pode dar errado vai dar errado ainda mais (dá-lhe lei de Murphy) se dá conta que perdeu a chave.

O que você faz?

Se sua resposta (tem que ser sincera) é que você vai andar arrastando a sua bicicleta até o chaveiro mais próximo sem sequer imaginar que poderia ser incomodado por algum transeunte ou agente da lei, isso me faz saber qual etnia você declarou para o CENSO do IBGE.

Sei que não tenho lugar de fala no assunto, a única vez em minha vida que me senti discriminado foi quando fui impedido de entrar num supermercado, isso aos oito anos de idade, ouvindo o segurança gritar “SAI DAQUI PIVETE!”. É lógico que estava com meu traje normal na época: short curto (herdado do Maninho), descalço e sem camisa. Naquele dia acabei aprendendo o valor das aparências e que deveria disfarçar a origem de pobre vira-latas. O que foi facilitado por não ter herdado tanta melanina.

Tais fatos me rondam justo quando soube que o tal do Novo Ensino Médio traz um tal de projeto de vida e carreira, o que considero ser um nome bonito para dizer “se vira aí, se der errado a culpa é sua”.

Podemos conversar sobre a tal da meritocracia. Por princípio não seria a cor da pele, origem ou classe que deveriam determinar a capacidade de alguém. Entretanto, só estarei disposto a realmente discutir esse assunto depois que todos tiverem pão e livros.

Não sendo assim tudo redunda em um mal disfarçado sistema de castas. Onde as exceções (me incluo) confirmam a regra. E isso deveria encerrar o assunto. Porém prometo não lhe deixar no vácuo sobre o final feliz das duas histórias.  

Arrastei a bicicleta até o destacamento de bombeiros onde peguei um tesourão emprestado da guarnição, um privilégio de quem é veterano do casarão vermelho.

Na ocasião mais distante voltei para casa sem o café que ia comprar. Meia hora depois o segurança do supermercado teve que se esconder de minha mãe que sabia rodar a baiana como ninguém.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

O grilo falante do Júlio

Ter dois ouvidos e uma boca nem sempre foram suficientes para nos ensinar a medir as palavras. Tudo isso vai ficando cada vez mais difícil se nos corredores da torre se acumularem assessores. Assessores são muito comumente tampões de ouvidos.

Reza a lenda que os imperadores chineses tinham o hábito de mandar matar todos os mensageiros que trouxessem más notícias. Custo acreditar nisso, pois um dos principais fatores que sustentam as estruturas em longo prazo, sejam elas de engenharia ou sociais, é a devida manutenção. Para tal se faz necessário saber onde estão aparecendo as fissuras.

Mesmo assim perdi uma enorme chance de ter ouvido um amigo que me disse: “quando o chefe pede uma opinião, na verdade está esperando por um elogio”. Quem sabe se eu tivesse seguido essa cartilha teria recebido algumas promoções ao longo de minha carreira.

A condição do chefe surdo se agrava quando se deixa levar pelo ego, se tornando arrogante e lá vai mais um encastelado capaz de oferecer brioches quando o povo pede pão.

Agora as fissuras no poder estão evidentes. Mesmo assim Édipo se esquece de arrancar os próprios olhos para começar a enxergar o que ocorre além dos muros e dos cercadinhos.

Lá na torre a canalização de esgoto está prestes a explodir, entretanto falta espaço para alguém que diga: “chefe isso pode dar...”. E redunda no momento crítico no qual nem todo perfume francês encomendado é incapaz disfarçar e esconder o que não dá mais pra ocultar.

Tendo olhos, ouvidos e nariz tapados chega o momento em que Midas morre de inanição pois o elemento de número atômico 79 não é capaz de o alimentar.

Reza outra lenda que na mesma biga que Júlio Cesar chegava triunfante em Roma após as campanhas vitoriosas ele tinha um escravo que lhe dizia que tudo aquilo iria passar, se fosse eu aproveitaria para dizer que ele estava ficando careca e barrigudo. Quem sabe isso seria o suficiente para que não tomasse uma facada nas costas, justo de seu assessor favorito.

sábado, 29 de outubro de 2022

Muttley

 

Como sou vira-latas posso afirmar que o Muttley é um de meus personagens favoritos.

Afinal como ter que lidar com essa corrida maluca quando seu chefe é o Dick Vigarista?

A resposta dele era uma ironia ácida.

Outra coisa que me chamava atenção era não entender o porquê de o vilão se atrapalhar quando deveria estar simplesmente na corrida. Afinal ele tinha o carro mais foda de todos os concorrentes, mas um tempo precioso era desperdiçado com suas artimanhas e acabava perdendo para um fusca cor de rosa ou para um calhambeque com os sete anões do orçamento (desculpa aí... estou confundido as comédias).

Hoje percebo que a metáfora é outra: a do sapo e do escorpião.

O Dick Vigarista não consegue fugir de sua própria natureza e vai se atrapalhar com excesso de recursos e tantos capangas. Sim capangas, pois só quem é ético consegue cultivar amizades verdadeiras.

Então acordo hoje com a mesma risadinha na cabeça. E viva a vida que insiste em copiar a arte.

sábado, 15 de outubro de 2022

Nós sete

 Sim é este meu nome.

Meu pai amava história e sabia que um nome é uma benção.

Qual é a sua?

Qual é a sua graça?

Qual benção lhe deram quando você veio a esse mundo?

 

Costumava dizer... não sou um Remo que rema, sou um Remo que rima.

Pois tenho a ousadia em assumir que o que digo pode ser poesia.

 

Então meu amor me trouxe para um lago.

E sorrindo me perguntou: o que há do outro lado?

E na beira de cá ela me apontou o que faltava.

A árvore ancestral que abriu mão de suas próprias entranhas para carregar nós sete, pois sete são os dias da semana, sete são as virtudes e sete é o sagrado. Só assim poderíamos desbravar aquele que de pacífico só tem o nome.

 

Os sete me ensinaram o ritmo, a força, o jeito, o cuidado, a pegada, o acolhimento, e que ficar à toa a canoa não perdoa.

Então não tem jeito, não sou mudo para o mundo e estou mudado.

Hoje sou um Remo que rema e rima.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Pontífice

 Leio o poeta dos pseudônimos dizer que ela era eu.

Juro não entender, mas ouso sentir. Pseudos são verdadeiros quando são máscaras, personas e personagens, mesmo que apenas arranhem a realidade profunda.

Ouço a Hera desafiar o texto das moiras e mudar os destinos, caminhos e vestidos floridos nessa canção que fala em um Shangrilá de sonhos.

Vejo a hera desafiar os muros para transformar em ponte o que há de indivisível no indivíduo.

Frágil lança o broto para o infinito.

Terrível toma o caramanchão.

As orquídeas, delicadas, hão de vir.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

ACORDE

Passei boa parte de minha vida dormindo, e posso falar essa frase engatinhando a palavra óbvia: LITRALMANETE, o que muitas pessoas fazem quando na verdade deveriam dizer metaforicamente. Isso é explicitado em um episódio clássico de “How I met your mother” aquele do: “I literally mean literally” o que em inglês americano vira um tremendo trava línguas.

Então me ofereçam a chance de recomeçar. Passei boa parte de minha vida dormindo: METAFORICAMENTE. No exato momento em que isso o digo falecem as obrigações de ser explícito. As metáforas têm um pulmão pulsante e nem sempre vão na direção apontada pela intencionalidade do autor, do ator, da plateia; ou até mesmo de quem passa, distraído na porta do teatro.

Aqui o espetáculo é de dança e assim sendo sua arte irmã deve trazer os sons necessários. Entenda bem: estou exatamente agora lhe tirando para dançar, sou um Jonny Rivers meio desajeitado. Mesmo assim estendo a mão arranhando meu inglês enferrujado ao repetir a pergunta: “Do you wanna dance?” Quando o faço ao mesmo tempo o tempo me diz seta grande para baixo, seta pequena para baixo de novo... a mão esquerda vai titubeando nas cordas pensando: G, Am, G, Am, G, Em...

Um monte de processos está transformando meu pobre cérebro em um festival de fogos de artifícios. Tento lembrar da pronúncia correta e do significado de cada palavra, o trem de pensamentos descarrila e a Cecília Meireles aparece de repente lembrando que a poesia tem asa ritmada, o Jobim diz qual é o tom, a galera do Roupa Nova já está lá no Clube da Esquina pedindo um Whisky à go-go. Tento casar a sílaba certa com as passagens, os calos doem, mas firmo os dedos nas cordas então canto porque o instante existe.

Estou na metade da gestação desse novo aprendizado, enquanto isso o El Cabong (Sou esse tipo de doido que dá nome ao violão, no caso em uma referência a um antigo personagem de Hanna Barbera) anda por aí comigo debaixo do braço e se tiver motivo é mais um... (não dá ainda para dizer samba, a levada é bem difícil, mas eu chego lá).

Mando um áudio para o Ciro, que tem muito mais estrada, e ele compara fazer música as artes marciais, assim temos mais uma coisa em comum para celebrar nossas conexões apesar de estarmos metade do globo terrestre distantes. Chego na casa de amigos perguntando se gostariam de ouvir alguma das músicas que finjo saber. Fico ansioso pela chegada da quinta-feira para ter mais uma aula com o professor Renato. Resisto a tentação de enrolar quando a música nova é difícil. Compartilho momentos com a Aninha e as vezes até tocamos juntos. Inevitavelmente penso nas relações matemáticas.

Agora entendo a tigresa que simplesmente disse: Como é bom poder tocar um instrumento!

Então, se você pode dispor de um tempinho para cuidar de sua alma não deixe essa oportunidade passar: ACORDE.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Sobre a chance de ficar quieto

Foi uma tremenda gafe no meu último treino: parei lá no meio do estúdio de pilates, pedi a atenção de todos e fiz um tremendo discurso em homenagem a minha professora. Os presentes chegaram a uma nítida emoção. Assumo que tenho um certo jeito com as palavras e estava mandando muito bem, só não entendi quando terminei e tudo redundou em uma gargalhada geral, justo quando desejei feliz aniversário para a Val.

O problema é que não se tratava da data natalícia dela e sim o dia do profissional de educação física. O que com certeza explicava tantas congratulações para ela no grupo de zapzap.

Assim que conseguiu controlar a respiração de tanto rir a Aninha puxou minha orelha: “viu seu cabeçudo, vive reclamando que ninguém lê o que você escreve e é incapaz de interpretar uma simples conversa no zap”.

Mesmo com a cara de pimentão voltei a pedir a palavra e disse que mantinha tudo o que disse e que esperaria o aniversário dela para homenageá-la novamente, desta vez por ser professora.

Sou o príncipe das gafes. Lembro, por exemplo, quando estava curtindo uma onda como intérprete para um grupo de americanos do Texas em pleno auditório A do Quartel do Comando Geral do Corpo de Bombeiros. Para quem nunca fez isso tenham em mente que essa é uma das atividades cognitivas mais cansativas que há. Além do mais, naquele dia já havia traduzido por horas a fio. E lá vai o gringo dizer que o acidente com uma motosserra é comparável a um ataque de piranhas. É óbvio que quando ouvi a palavra entrei em pânico e acabei traduzindo como “manada de piranhas”. O riso estourou no auditório enquanto eu explicava para o Tio Sam o que estava acontecendo. Atônito ele perguntou como eu iria resolver isso. “Deixa comigo” a boa e velha frase que proferimos quando estamos prestes a piorar as coisas, imaginando que somente uma piada poderia salvar o dia, e assim mandei um: “Gente desculpa aí, todos sabemos que manada só pode ser de peixe-boi”. Fecha o pano!

Mesmo assim pode até ser que você queira saber o que disse lá no pilates, mesmo que eu não venha a lembrar das palavras exatas, mas foi algo que lembrava que a amizade é o amor sem ciúmes, grandes mestres são pessoas essencialmente generosas e que eu ficava feliz por ela ajudar a tanta gente.

Tenho uma queda pelos professores de atletas, mesmo quando o suposto atleta tem mais barriga que qualquer outra coisa. Por outro lado, minha física não vem junto com a palavra educação ela fica ali muitas vezes intransponível e aprisionada em um quadro de giz (referência de velho) enquanto a de vocês rodopia nos sorrisos das crianças de todas as idades.

Então fica aqui meu muito obrigado a todos vocês que generosamente nos tiram da inércia, nos dão uma força e aceleram nossos corações.

 

domingo, 14 de agosto de 2022

Sobre arames farpados e cercas elétricas

 

Obviamente vou falar sobre personagens fictícios. Queria muito que não houvesse pessoas assim. O problema é que a vida teima em copiar a arte, mesmo assim sonho por um dia em que esta ficção jamais ultrapasse meus medos e minha pobre literatura.

O fato é que o Velho odiava ver crianças pisoteando o pasto, o problema é que havia um córrego, nos córregos rãs são gratuitas e o banho é livre, impensável para quem pagou duzentos contos de reis para ter exclusividade daquele pedaço de terra.  

Arranha gato. A planta é tão espinhosa que nem os felinos, tão pequeninos se arriscavam em passar.

Paz. Paraíso particular. Pois assim devem ser os paraísos. Quem poderia imaginar que seu deus único pudesse abrir espaço para povos idólatras e pagãos. Ele tinha a chave do tempo e quem não rezasse na mesma cartilha deveria ter o destino das chamas ou pelo menos um frio glacial, nas penas eternas guardadas para os infiéis.

Pais ricos. Filhos nobres. Netos pobres.

A tradição era importante. O neto do Velho não herdou as mesmas riquezas, mas eles vivam em um lugar de faz de conta, impensável na realidade. Um reino distante onde propriedade tem valor, trabalho não. Logico que em um lugar assim o que é herdado não pode pagar imposto. Só assim ele ainda podia comer ovo e arrotar caviar. Bradando a cada vez que bebia a mesma aguardente dos escravos que preenchiam as velhas garrafas de whisky coisas como “quem manda nesta piiiiiiiii sou eu”.

A última queimada, forma muito mais barata de manejar o pasto, destruiu a cerca centenária.

A solução barata veio em forma de voltas e voltagem. Uma cerca que ainda afastava os moleques em busca de rãs e diversão gratuita.

Pais ricos, filhos nobres, netos pobres, bisnetos eletrocutados.

O pior de tudo foi ter que ouvir a música predileta do menino em sua despedida “toda gente cabe lá...”

Lá aonde? Em Shangri-La que não é!

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Imagine

John, aprendi a lhe amar demais, mas discordo. Talvez a palavra que você estivesse procurando fosse fundamentalismo, que é o que ocorre quando alguém defende uma ideia que considera fundamental e trabalha a vida toda para destruir o que todos outros carreguem em seus corações.

A palavra também não seria espiritualidade, pois considero que isto representa algo neutro inerente ao ser humano, acredite ou não no que quiser.

Nem mesmo fé. Esta linda palavra tem sido arrastada no chão por aqueles que não entenderam quando o Cara disse que o reino dele não é desse mundo. Ele não sai por aí distribuindo carros, se fosse assim também teríamos que responsabilizá-lo pelas desigualdades e pela fome mundo a fora.

Então não há nada errado em re-ligare; que é marcar um encontro como uma profunda obrigação humana para buscar o sagrado tão bem guardado.

O Estado deve ser laico, mas você pode acreditar no que quiser. E eu tenho que respeitar, pois o que é sagrado para você é sagrado para mim.

É hora de me despedir com amém para quem é de amém, axé para quem é de axé, saravá para quem é de saravá, shalom para quem é de shalom,  salamaleico para quem é de salamaleico, namastê para quem é de namastê. Um beijo para quem não acredita em nada disso, dois para quem acredita em qualquer outra coisa, e três para quem acredita em tudo. Ah... Já ia esquecendo a força esteja contigo e vida longa e próspera para quem for nerd.

domingo, 31 de julho de 2022

Pandas fofinhos e bichos escrotos

Um dos culpados de criar expectativas irreais em relacionamentos foi o tal do Walt Disney. A Coisa tá lá, é uma fera, grosseiro, mal-educado e sem nenhuma consideração; mas vai lá que com um doce beijo ele vai se transformar em um príncipe. Do outro lado tem o tal do Billy Joel que vai dar esperanças para os caras da periferia e que está tudo bem em, ao menos, tentar alcançar uma Uptown Girl.

Parece que estamos no mesmo paradoxo que os pandas. Sim aqueles (não) ursos fofinhos. Quem vê de longe pode achar que é só love. Todavia, sua corte é muito violenta, chegando a redundar na rejeição mútua.

Assédio.

Até há pouco achava que só acontecia em um sentido da relação, contudo criaram o conceito de sugar dad, e lá vou eu, quase sessentão, ter que explicar que não estou na pista. Para mim a solução é fácil, extremamente fácil. Se no primeiro toque a pessoa se toca, tudo bem, podemos ser amigos. A repetição logo se transforma em block nas redes sociais.

No coletivo, a coisa é muito mais complicada.

A tal música do Billy Joel normaliza a aproximação de um mecânico entulhado de graxa com uma verdadeira graça, um ícone da alta sociedade. E quem não se encantaria? Só que a relação entre castas é impensável. O palácio de Versales explica isso muito bem com suas salas interligadas, onde (em tese) qualquer cidadão poderia falar com o rei, porém você só poderia passar para a sala adiante se soubesse o protocolo correto, armamento de uso exclusivo de bispos e cavaleiros.

Durante a história muito aconteceu. Havia uma solução simplória: clava na cabeça e arrastar pelos cabelos. Depois uma social:  casamento arranjado. Ainda depois outra quando a burguesia chegou chegando: a corte (Jane Austin que o diga). Ainda há pouco uma solução masculina e bem-humorada para isso tudo: a tal da cantada, que era muito apropriada para o patriarcado. O problema é que a coisa fugiu do controle e o tal do “qual é o endereço do cachorrinho?” virou: “gostosa”, e minutos depois... bem deixa pra lá.

Não proponho que devemos dizer algo como “Tu és divina e graciosa, estátua majestosa, do amor por deuses esculturada”. Como sou de uma certa geração tenho como linha de corte tratar a garota de quem a gente gosta de mina. Se ela não é preciosa para você porque começou esta confusão toda?

Como é você que está na caça hoje em dia passo o bastão. Sem querer propor qualquer tipo de solução, mas pensem rápido. Os pandas estão em risco de extinção.

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Acorde

Antes de começar muita gente me falou que eu iria gostar, afinal as relações com matemática são não menos que óbvias. Sim, se trata de uma escala logarítmica, e as implicações ligadas a acústica logo me remeteram a perceber frequências, comprimentos de onda, tração, ondas estacionárias e tudo mais que não vou falar aqui para não afugentar você que odeia exatas.

Sei que em minha defesa bem que poderia dizer que calcular, medir, prever e todas as coisas correlatas são atos humanos, então também sou de humanas.

Saio pela tangente (seno divido pelo cosseno – pensando bem esquece isso) e só vou me concentrar em uns poucos números, bem comuns por sinal. Que são 3, 4, 5, 7 e 12.    

Vamos a eles.

Provavelmente se você não tem nenhuma formação musical e lhe perguntarem quantas são as notas provavelmente vai responder sete, pode até ser que cante aquela musiquinha que aprendeu ao ver a Noviça rebelde, caso seja de minha geração. Sete não é um número qualquer, simboliza nada menos do que perfeição, em uma interpretação mais recente podemos até dizer que é a santíssima trindade reinando sobre os quatro pontos cardeais. Isso explica o porquê de haver sete dias na semana, sete virtudes canônicas, sete pecados capitais, sem contar a conta de mentiroso.

Entretanto se você já ouviu Ebony and Ivory, pode ter percebido que há teclas pretas marcando aquelas notas que você não conhecia antes, lá no mesmo piano onde o preto e o branco vivem em harmonia (Ah! Senhor, por que não nós?). Subindo a ladeira tem o tal do sustenido depois de cada nota que não termina em “i”. Como são cinco (chagas de Cristo) passamos a ter doze notas (se é que posso chamá-las assim – o melhor é pesquisar – melhor ainda é perguntar ao Ciro, cujo filho mais novo se chama Tom)

Então chegamos a C, C#, D, D#, E, F, F#, G, G#, A, A# e B, justo na hora que você pode querer me bater por não começar com A. Porém se me permitir dizer que o tal do lá é o padrão para tudo, fica mais fácil entender, até porque a música é uma roda de ciranda, fazendo com que alguém possa entrar na dança dando as mãos a quem quiser.

Nem vou dizer que o tal do lá pode ser padronizado com 440nHz, onde n é um número natural, e como a diferença de notas está em progressão geométrica as frequências subsequentes podem ser achadas multiplicando por 2 1/12.

Direi apenas que 12 também significa perfeição, pois enquanto 7=3+4, 12=3x4. Eis o motivo de haver 12 meses no ano, 12 trabalhos de Hércules, 12 signos no Zodíaco, 12 apóstolos, a lista é interminável.

Como só estou tocando violão há quatro meses vou parar por aqui. Parece que vou encontrar outras relações como estas. Nem precisava. Estou me divertindo um bocado só com isso. O que é incalculável.

Remos e rimas

 Chego na aula de canoa havaiana e logo me deparo com uma pergunta bem difícil: “Quem é você?”, já seria complicado dizer o meu nome, ainda mais as sete da manhã, quando nem sempre se está acordado. Poderia até filosofar um bocado. Nisso um cantinho do cérebro grita: “Eita! Pergunta difícil”.

Minha saída é tentar um pouco de humor e poesia: “não sou um Remo que rema, sou um Remo que rima”. A professora ri, e logo muda de assunto se coordenando com seu marido. Ela explica a forma correta de colocar as alavancas na água, enquanto ele dita as devidas normas de segurança.

O tempo todo acho que estão me chamando, as tais alavancas compartilham meu nome, então é remo pra cá, remo pra lá, Remo rema direito, me passa o remo; Remo, presta atenção. Algo muito incomum em minha vida, perceba que tendo um nome desses quase não conheci xarás em minha trajetória.

O ritmo hipnótico me faz pensar no que é efêmero e o que é eterno. Só que não tem jeito o trem dos pensamentos não sai da questão da identidade, não aquela da foto, mas a reflexão do que somos de verdade.

É a velha questão do ser e do estar que se embolam na língua inglesa, só que no falar de Camões permite que se esteja Ministro da Educação, posto que assim não se nasce, nem se permanece.

Sei que já cantei muito por aí: “Somos bombeiros, bravos guardiões...” somos quem, cara pálida? Hoje em dia nem consigo distinguir um extintor de gás carbônico de outro de pó químico seco.

Se você quiser saber um pouco mais de mim, posso até dizer que tenho 58 anos, só que o tempo não me pertence.

Sou aquele tipo de farsa que se diz professor, o fato é que não tenho formação para tanto, e as certezas tão necessárias a essa nobre arte vivem escapando de minhas mãos.

Termino a remada e agradeço ao casal que me ensinou tanto em tão pouco tempo, essa coisa fugidia que tentamos agarrar pelas sobrancelhas, justo por ser careca. Devolvo o colete e o remo, e penso tiraram o remo de mim, porém continuo sendo Remo. Logo percebo que a professora também tem veia poética e sorrindo me diz: “de agora em diante você é um Remo que rema e rima”.

Engraçado, na maioria de meus textos não tenho a mínima intenção estética de fazer as palavras combinarem somente pela coincidência de suas últimas sílabas. Quando elas combinam deve ser algo que no mínimo venha a quicar no coração. Também não é por isso que vou sair dizendo por aí que sou remador. Até porque a graça da história toda é estar na busca ao invés de dizer que sei quem sou.

terça-feira, 26 de julho de 2022

Quem manda na minha boca

 Sou o tipo de idiota que usa os próprios textos obscuros como referência, mas se você tem alguma alternativa a: “Guardo comigo as palavras que digo, mas não silencio quando calo” para resumir tudo que você vai lidar até terminar de ler esse texto, diga lá que serei todo ouvidos, porém eu mesmo não consigo pensar em algo melhor. O contraponto vem de “cala a boca Barbara” que repetido diversas vezes remete a Calabar, ou seja, um traidor.

Sempre tive a necessidade de falar, mesmo quando a fala se revelou autodestrutiva o que se resume em outra autorreferência na qual coloco que sinceridade e raciocínio rápido sempre foram minha ruína.

A resposta mais uma vez vem do yoga, hoje mesmo minha mestre, a professora Renata, nos disse: “feche as pálpebras, mas abra os olhos”, ela tem me ensinado muito, pois assim são as professoras. No caso dela tudo obviamente transcende, e por isso mesmo se trata de um ensino transcendental.

Silenciar é totalmente diferente de ser calado, ou de se permitir calar. É chegada a hora de citar outro mestre, o Clóvis de Barros Filho que nos ensina que liberdade não é fazer o que se quer, e sim superar as próprias vontades que nos tornariam meros animais, ou algo assim. Seja como for tenho quase convicção de que ele não ficaria chateado comigo por ter um modo próprio de citá-lo, até porque grandes mestres não se aborrecem que venhamos a ter interpretações próprias de suas falas. Além do mais ele nem sabe que (penso logo) existo.

Então não me calo. Mas silencio quando percebo que o que tenho a dizer em nada vai lhe ajudar a me compreender ou mudar sua visão dogmática de mundo.

terça-feira, 19 de julho de 2022

Metas e formas

 Não sei o quanto disso é verdade, então não classifique o que vou dizer ainda nesse parágrafo como fake News ou pseudociência, mas é dito que TODAS nossas células mudam a cada oito anos.

Como o que digo é apenas uma metáfora solta, não sei se devo concordar com Simon e Garfunkel ou com o Raul Seixas. E fico dividido entre ser uma metamorfose ambulante ou compreender que após mudanças e mudanças somos mais ou menos o mesmo.

Estava mergulhado neste paradoxo quando a resposta improvável veio em forma de pergunta extraída da sabedoria do yoga: uma árvore ainda é uma árvore quando se despede da folha?

Sei que fico assim mesmo em cada véspera de seus aniversários. Já havia anunciado que filhos são folhas e flores e todas outras coisas que o vento leva para longe. Por outro lado, há a memória.

A memória nos une.

Tem o bebê prematuro que nos assustou um bocado.

Tem o molequinho que mal sabia andar, mesmo assim corria na praça de Friburgo dizendo sua primeira palavra que não foi nem papai, nem mamãe, mas pombo!

Tem o carinha que disse que estava tão quente que ia virar um picolé e o boi ia lamber.

Tem o moleque que caiu da bicicleta e aprendeu que deveria voltar a pedalar assim que a ferida fosse lavada.

Tem o cara que me levou para São Januário para contar suas vitórias como concurseiro.

Tem o rapaz que largou tudo e esteve ao meu lado na nossa maior crise.

Tem o homem que se casou com uma linda mulher e se mudou para Europa.

Tem as ligações de telefone intermináveis.

Memória, essa é a resposta. É o que nos faz sermos nós mesmos diante de tantas mudanças. É o que nos oferece régua e compasso para planejar o futuro.

O presente? É ter você em minha vida.

sábado, 16 de julho de 2022

Para quem são Luiz (e para quem não é também)

Um era de direita e sabia o valor do trabalho, um dia disse: “por favor uma esmola para um homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

O outro era de esquerda e sabia o valor do trabalho, um dia disse: “um homem se humilha se castram seu sonho, seu sonho é sua vida e a vida é o trabalho e sem o seu trabalho um homem não tem honra...”

O, O, O, E, E, A. O moleque pôs as pernas no mundo, que era o seu lugar, já naquele tempo estava bem difícil a convivência entre aqueles que pensavam diferente.

E a dor da separação parecia inconciliável, como está acontecendo tanto por aí.

Mesmo assim de um jeito improvável a música os uniu novamente pela vontade de andar por esse país, só pra ver se um dia pudesse ser um dia feliz.

Já naquele tempo, bastava ter um pouquinho de visão para saber que não haveria trabalho para todos. E não adiantava muito fazer um curso de datilografia, pois logo os datilógrafos seriam descartados.

O que diriam hoje? Há gol, há algo, há ritmo, há algoritmo. E cada vez menos trabalho.

O que fazer nesse novo baralho onde quem não é rei logo será descartado?

Talvez, tão sagrado como tudo seja a vida e o reencontro.

A história é essa, não sei como poderia ser contada hoje, mas seja como for respeite Januário.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Fim de um povo idólatra e pagão

Eu passo mal quando leio certas coisas, sou como a personagem de Jerry Lewis que não conseguia estudar medicina pois sentia todas as dores relatadas por seus pacientes. Lembro ter tido dificuldades para ler o manual de mergulho por imaginar cada um dos acidentes acontecendo comigo ou mesmo sentir um tremendo alívio ao fazer as contas de uma questão de cinemática onde um pato escapou de ser atropelado por um avião por muito pouco. Por isso mesmo até hoje não passei da página dez do Príncipe de Maquiavel.

Mesmo assim tenho me imposto um exercício de autotortura e de cinco em cinco páginas venho arrastando a leitura de Escravidão do Laurentino Gomes.

Quando a leitura é metafórica tudo parece mais palatável, a literatura nos faz passear pelo suicídio de jovens em Romeu e Julieta, conta a chacina de uma trupe em o Nome do Vento, conta como uma maçã apodrecida ficou grudada nas costas de um homem que se transformou em uma barata no texto genial de Kafka. O mesmo processo ocorre no humor que nos faz tornar as perdas até aceitáveis. Nem as cantigas de roda escapam da violência: dona Chica é testemunha ocular do atentado sofrido por um felino.

Laurentino não nos dá essa trégua. Cada uma das histórias degradantes e inimagináveis aconteceu sob a égide das instituições de estado e religião, com as bençãos do tal do mercado, este ente impessoal que dá a chance de dizer: o que está acontecendo não é comigo apenas comprei umas ações.

É nesse momento que volto as minhas aulas de história que tentavam tornar a chaga da escravidão como um mal necessário, permeadas de justificativas inverossímeis.

Volto a metamorfose já citada, o primeiro passo para nossas justificativas passa pela coisificação ou desumanização do diferente: o seu oponente não é gente, ou necessita de sua generosa atuação civilizatória, onde você aprisiona um deus único capaz de lhe levar aos pícaros do paraíso e jogar o outro nas profundezas.

Nesse momento lembro das palavras finais de um livro “didático” copiado ipsis litteris por um colega do ginásio, pois é assim que se fazia para tirar um dez. Nele a queda de uma civilização pré-colombiana não ocorreu devido a canhões nem pela gripe trazida pelos europeus, mas pela falta de deus no coração daquele povo inculto.

Não se enganem, é nessa caravela que estamos navegando agora mesmo.

 

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Pra você

 Hoje acordei pensado que iria compor uma canção para você. Uma melodia bobinha, dessas que até toca na rádio (se você tiver os contatos certos), as palavras doces escorregavam em rimas pobres. Estava tudo tão bonitinho.

Logo acordei e o superego descartou tudo.  Só porque tenho tanto medo de (pare)ser ridículo. Nesta altura do campeonato deveria saber que canções bobas movem o mundo, mesmo que elas não me pertençam. Ou mesmo que nem sequer tenham sido compostas.

Que tal encher de rimas com verbos terminados em ar? Que tal juntar as batatinhas cujas ramas se espalharam pelo solo? Que tal misturar “te amo” com você e achar que confundir pronomes de tratamento pode até ser desculpado.

Oh! Vasto mundo. Não é todo mundo que é Raimundo ou Drummond, mas os poetas de pé quebrado também amam.

Então, por que não?

Arranco um sorriso bobo de sua cara linda, pouco importa o que digo.

Hoje acordei com uma canção explodindo em meu peito não a escrevi por medo, mas a canção que está lá perdida no mundo dos cristais de Platão é toda sua.

sábado, 25 de junho de 2022

Futuro do indicativo


Ficção científica é uma de minhas maiores paixões junto com o estilo de fantasia, o fato é que muitas vezes é difícil distinguir entre um e outro. Para não correr o risco de apanhar dos trekies ou dos discípulos do mestre Yoda, permitam-me mostrar a diferença em um terreno mais seguro: em “2001 uma odisseia no espaço” quando um monolito aparece do nada é fantasia e quando o som não se propaga no espaço é ficção científica.

Então antes de falar sobre a “Mulher do viajante do tempo” (vou fazer de tudo para não ter spoiler) permitam-me classificar a série como um exercício de fantasia pois as viagens no tempo (pelo que sabemos de ciência hoje) não são possíveis, e mesmo que fossem trariam um problema bem chato de resolver. Assim como determinou Galileu a Terra se move e; a despeito de não haver um referencial universal (o que gerou toda a confusão que o Einstein desvendou) tornariam tais viagens absurdamente complexas. Para simplificar apenas me diga se você pode dizer exatamente onde estava há um ano. Se o seu referencial não estiver muito bem calibrado poderia ser teletransportado para locais bem desagradáveis, como o núcleo de uma estrela. Isso porque estamos em movimento em relação a todo sistema solar, girando ao redor de um eixo, movendo helicoidalmente em relação a Via Láctea (ufa!). Em síntese não é fácil ser o Marty MacFly com um Delorean.

Enfim, se classificarmos a série como fantasia a vida segue mais fácil. Assim poderemos nos dedicar as metáforas. Semelhante a abordagem sobre o mal de Alzheimer, brilhantemente descrito em “Benjamin Button”.

Afinal sobre o que a tal da mulher do viajante do tempo, com suas idas e vindas, nos diz? Talvez o explodir do sentimento platônico que tenho a cada vez que vejo a foto de meu amor quando ela ainda sequer tinha concluído a primeira comunhão. A realidade, porém, é que naquela época eu não estava pronto para conhecê-la, mas Jorge Vercilo já havia matado essa charada me perdoando pelos amores de antes.

Do mesmo modo, ora me dedico a fazer aulas para alunos que não têm condições de pagar o merecido valor a outros (melhores) professores, nesse momento sempre penso o que o Remo de hoje quase sessentão teria a dizer a sua versão adolescente. Como minhas derrotas falam muito mais de mim do que minhas vitórias, seria inevitável determinar para minha versão jovem uma boa dose de sofrimento (que infelizmente, junto com o tempo, é um dos melhores professores que existe).

Talvez o que a série tenha em seu cerne seja o alerta de que devemos viver o aqui e o agora. E que a viajem no tempo-espaço é inevitável e vai acontecer inexoravelmente em direção ao futuro, o que é por nós sentido.

sexta-feira, 20 de maio de 2022

O coach chamado Maquiavel

 Vejo o famoso coach dizendo que devemos deixar de lado uma espécie de síndrome de vira-latas para, finalmente, aceitar que é no campo político que se fazem os diretores de grandes empresas. É comigo que ele está falando? Se for o caso está perdendo um tempo precioso.

Ser vira-latas é a melhor parte que tenho! E não pretendo deixar de sê-lo só para me transformar em CEO de uma empresa grande ou pequena. Ou caso você prefira entender com um conceito meio doido: saiba que não sou o tipo de cara que atravessaria o rio Rubicão.

Talvez você até compartilhe de minha aversão as artimanhas palacianas. Tais assuntos definitivamente me desagradam; entretanto, são primordiais para quem quer passear pelas torres, palácios, quartéis e catedrais. Então se você está mais para mendigo do que para príncipe é provável que não se sinta a vontade ao andar em Versailles ou ler Maquiavel. Eu assumo que nas vezes que tentei passear (não nos cômodos do palácio, mas nas páginas) tive ânsias de vômito no sentido bíblico da palavra. O que me permitiria usar a ideia de que o velho manual do poder LITERALMENTE me deixa enojado. O que torna qualquer outra explicação desnecessária. Ou seja: príncipe por príncipe prefiro o do Exupéry.  

Não se trata de ter um estomago fraco, Sun Tzu, a guisa de exemplo, se tornou um companheiro importante em uma certa fase de minha vida. De forma alguma o encarei como um elogio a guerra, mas uma constatação de que em alguns momentos a vida nos chama pelo nome completo, e é quando devemos tomar coragem nos levantar e dizer: presente. Do mesmo jeito que foi descrito pela viola enluarada.

Toda essa trajetória me levou a encontrar alguém que gosto muito: eu mesmo. E gosto tanto que tenho que lembrar de baixar a bola e tocar rasteiro muitas vezes. Esse amor-próprio não deve ser desculpa para lhe obrigar a ter que lidar com meu ego. E este deve tomar suas doses regulares dos remédios de tarja preta, diuréticos, moderadores de apetite e analgésicos. Todos devidamente prescritos pelo doutor Bom Senso.

Só para ilustrar toda essa confusão lembremos da estória do rapaz que se formou em medicina, deu o certificado para o pai e foi seguir o sonho de ser caminhoneiro.

Então, fica a pergunta. A quem você quer fazer feliz ao aprender todas as artimanhas que ajudaram a formar os reinos unificados da Europa?

Se a resposta é “eu mesmo”. Vá à luta! E se tiver um tempinho faça um resumo do livro, e me manda por e-mail para que eu possa ler do lado de cá do rio Rubicão.

sábado, 16 de abril de 2022

A pílula azul

 

    Meu filho liga de manhã, cedinho, o fuso horário nos uniu. Nunca o Porto e o Rio estiveram tão perto. Eu estava aguardando a ligação com ansiedade. No décimo de segundo seguinte ele iria me contar como foi a volta ao cinema. Logo, a ducha de água fria: “Não gostei nem um pouco, parece que os roteiristas estavam esgotados, mas o que esperar de uma continuação?”

    Pelo menos não vou ter que gastar, pagando por mais uma plataforma de streaming, pensei desolado.

    Tudo isso é passado, porém também é passado a ferro de engomar o dia em que ele pegou o sobretudo da mãe, um par de óculos escuros e minhas botinas para sair com uma fantasia de carnaval que só o Roberto entendeu.

    Também é passado o dia em que vimos duas vacas exatamente iguais durante uma viagem e falamos simultaneamente: “deja vu”.

    O que o presente – perfeito - me traz é finalmente ver o quarto filme da série (sim! Sou o tipo de otário que paga um monte de plataformas). No dia seguinte ele me liga de novo reclamando de algo cíclico com o qual eu também teria me incomodado, caso tivéssemos a mesma idade e estivéssemos passando a mesma situação. Afinal cansamos de reviver cenas, algumas repetindo a personagem, em outras assumindo papéis diferentes.

    “É como o Neo tomando a pílula azul todo santo dia” (prometo não vai ter outro spoiler). E ao dizer isso ele deduziu que eu acabara de ver o quarto filme da “trilogia”. “Pai, você não tem jeito, não me ouve nunca! Eu não te disse que não valia a pena ver?” Então repliquei que sem repetições não valeria a pena (vi)ver.

    “Meu filho. Se algo está se repetindo em sua vida é sinal de que a lição ainda não foi aprendida”.

    Assim a vida vai seguindo, ou quem sabe uma simulação da realidade. Até acho que insisto em tentar tomar a pílula vermelha e tento dizer para mim mesmo que não preciso da outra.

    Afinal tenho algo que mexe com meu metabolismo e faz dilatar absurdamente um órgão: a pupila; faz pulsar alucinadamente outro: meu coração; e expande aquele que é o mais importante.

    Pelo menos penso que ajo assim.

    Todavia, também se espalham aqui e ali as repetições em tudo aquilo que insisto em não aprender.  

sábado, 9 de abril de 2022

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Erar é umano


    Se um dia eu pudesse ver meu passado inteiro E fizesse parar de chover nos primeiros erros

Tenho seguido minha vida de desequilibrista entre os extremos de buscar algo melhor e tentar e deixar a vida me levar por tantos enganos que teimo em cometer.

Enquanto isso gravar vídeos com aulas tem sido o meu hobby nestes últimos quatro anos. Saiba, porém, que vídeos são espelhos em movimento que mostram o quanto estávamos longe de onde gostaríamos.

Seja como for, chega um momento em que devemos dizer para nós mesmos: “está bom o suficiente”; então, é o momento de publicar e ir adiante.

Sei que, como reza o ditado popular, o perfeito é inimigo do razoável. Um aprendizado que me veio a ferro e fogo. Literalmente. Anos e anos sendo bombeiro nos fazem entender que o relógio não espera e muitas vezes devermos agir rápido para encontrar a solução possível, seja ela qual for, até mesmo passar o facão em algum nó górdio.

A sala de aula não é muito diferente. Não devemos dar as costas muito tempo a uma turma de adolescentes, do mesmo jeito que não o faríamos com um mar bravio.

Tudo isso me faz ter pouca paciência com os teóricos do ar-condicionado, ou com os sábios de porta de bar. Sem a pressão, a refrega, a marca do pênalti; toda e qualquer decisão pode ser tomada com sabedoria. Na mesma medida deve parecer fácil saber o que fazer em um desabamento ou enchente, se você nunca pôs os pés na lama.

Agora tudo é diferente, posso regravar (eu não edito) qualquer aula que não me agrade. O recorde fica por conta da demonstração da maldita fórmula da hipérbole, que hiperbolicamente, teve que ser refeita não menos do que doze vezes.

Pior é quando um aluno comenta algo como: “aquela figura que você chamou de losango não seria um trapézio?”. Bem. Seria mesmo. É hoje que vou estragar o tal do algoritmo deletando um vídeo que já foi publicado. Mea culpa, mea máxima culpa.

Para evitar isso tenho que rever, e muitas vezes, e de quando em vez detonar algo que me deu umas duas horas de trabalho.

Tento dizer para mim mesmo que foi um ensaio.

Vai gostar de ensaiar assim lá na casa... do chapéu.

O outro extremo é a paralisia.

Já que nunca vou consertar de verdade talvez seja melhor desistir.

Lembro bem como resolvi esse problema quando eu atuava (essa é a palavra certa – todo professor é um ator) nas salas de aula da vida.

"Galera, eu erro mesmo, se eu fizer alguma besteira aqui me avisa que a vida segue". Sei que isso, contudo, é algo raro. Demanda uma tremenda humildade para ter essa postura, e somente anos de magistério me levaram a essa posição. Antes era mais fácil por a culpa no giz, ou dizer que só estava testando a turma.

Mas até que ponto podemos nos permitir errar?

Nas videoaulas procurei traçar uma linha vermelha ao redor do seguinte conceito; se o que houve foi um lapso, um erro de digitação ou de contas, e durante o próprio vídeo eu percebo, peço desculpas e corrijo o processo - tudo bem. Faz parte do show. Todavia se o erro é conceitual ou pode trazer alguma confusão mental àquele que está aprendendo; a tecla escrita DELETE está logo ali no canto superior direito.

Isso tudo leva ainda em consideração de que não aprendemos tudo que nos chega, do mesmo modo não ensinamos tudo que gostaríamos. Espalhamos migalhas de pão na trilha esperando que alguém as siga e de preferência não leve a casa de alguma bruxa.

Pode parecer ser um critério simples. Só que não! Está muito longe disso. Entre me perdoar pelo que faço e buscar o Santo Graal vivo tropeçando aqui e ali.

Para viver tudo isso é ainda muito mais complicado, muitas vezes não conseguimos distinguir entre o que é preciso e o que é preciso. Ou melhor entre o que é exato e o que é necessário. Mas essa resposta, pelo menos, o Fernando Pessoa já deu.