Ando na Cidade de Never Land, no tempo do era uma vez, talvez duas vezes, quem sabe três. Vejo o casal levando um carrinho de bebê e um embrulho no colo, meus olhos não parecem estar enganando, como sempre o fazem. É um casal de Dálmatas carregando humanos, passa por eles uma jovem mãe, ou tutora, se você preferir assim chamá-la. Ela traz na coleira um menino que mal sabe andar, em sua outra mão um celular, tratado como se fosse um bebê.
Queria muito ter a audácia hipócrita de dizer que
observo sem o tal do juízo de valor, como se eu fosse a terceira pessoa do
plural, ou melhor um verbo impessoal, desses que não tem compromisso nenhum com
o espaço tempo vivido, ou com a metáfora vívida. Traço essas linhas da
perspectiva de quem se apresenta como vira-latas, mestiço de origem, diverso por
excelência. E ainda como conhecedor do fato que padrões morais são impostos a
uma faixa estreita da sociedade que não é tão pobre a ponto de ter que ser
trickster para sobreviver, nem tão rica para ser liberada por embargos infringentes
(desculpe o palavrão). Mesmo assim é impossível não perguntar: onde foi que
erramos?
Sei que é fácil amar um pet que retribui o carinho incondicionalmente,
penso que eles nos dão a primeira perspectiva ter uma relação profunda com algo
totalmente diferente de nós mesmos. Ressalto que cada criança deveria ter o
direito a essa modalidade de afeto, que tanto ensina. O que inclui a lição mais
difícil de todas, consequência da curta vida de nossos amores peludos.
Também não posso deixar de apontar a diferença de
pronomes e adjetivos em suas funções gramaticais de substituir ou qualificar, aqui
não estou falando de crianças e pets, mas da sombra de nós que nos tornamos.