quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Simetria

 Se você é fundamentalista não ultrapasse daqui. Esse texto não é para você que não entende que os fatos espirituais são M E T A F Ó R I C O S. Assim Jesus tem que nascer exatamente no solstício de inverno quando o Sol R E G R I D E por três dias, como quem morre e precisa renascer. Do mesmíssimo jeito que até hoje as prostitutas uivam para chamar seus clientes em uma certa região de uma bota geográfica.

Então, se você teve a coragem de chegar a esse parágrafo, talvez eu possa lhe contar a estória de Rômulo e Remo que um dia juraram cuidar de suas companheiras na saúde e na doença. Que do mesmo jeito que Arthur, portando Excalibur, preferiu ser derrotado pelos seus próprios juramentos.

Proponho que você pare mais uma vez, nesse caso se tenha vindo de uma família capaz de pagar indenizações para cada um de seus erros, até mesmo se você insiste em dizer “foi mal eu estava doidão”, ou até se já queimou um mendigo ou um índio, afinal para os fidalgos há humanos mais que humanos.

Se não é seu caso segue aqui, para cada uma das vezes que você ousou citar Darci Ribeiro assumindo suas derrotas para não aceitar ser serviçal de um samurai.

Dói ser fênix.

Mas só assim podemos crescer. Ser responsável é responder a realidade. Só desse jeito se aprende a ganhar sem desprezar quem perde, por entender que cada um é herói de sua própria vida.

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Alexa, conte uma história

 

A TV era disputada a tapa lá em casa, coisas de família com onze filhos, então me acostumei a ter meus desenhos preferidos... preteridos. Só que tudo mudou quando conheci o Mr. Spock, aprendi a dizer que nunca havia visto aquele episódio de um modo tão convincente que até eu acreditava, então tinha que recitar baixinho: “Espaço a fronteira final, essas são as viagens da nave interestelar...” A ficção já fazia parte de mim com os livros do Asimov que vinham quase enfileirados da biblioteca pública para as minhas mãos.

Dentre as coisas que me fascinavam estava a porta que abria automaticamente, a viagem em dobra espacial e o computador que respondia ao comando de voz. Não chego a ser do tipo capaz de usar fantasias em convenções, mas assumo que faço o sinal vulcano para desejar prosperidade ou mesmo para saudar a porta do shopping que abre automaticamente.

Se você tem mais de 50, sabe bem do que estou falando, e nem precisa ter visto Star Trek, que ainda é de certa forma de um nicho, porém posso quase afirmar que não teve como escapar dos Jetsons.

Mesmo assim me considero muito analógico, comparado as gerações definidas por letras de qualquer alfabeto, além do mais o inevitável conhecimento da física (consequência inescapável de ser um nerd que se preze), deixa muito claras as limitações da velocidade dos corpos estabelecida pela relatividade geral.

Tais limitações levam ao campo da fantasia imaginar o uso de uma frase do tipo: “Computador calcule o tempo de deslocamento ao planeta Oxx em dobra 9”. Talvez por isso minha longa resistência em adquirir uma Alexa só para pedir músicas ou saber as horas. Mesmo assim ela finalmente chegou lá em casa.

Até achei legal a conectar aos filmes que passamos ver, e ouvir a rádio JB ou ainda um bocado de Beatles. Só que hoje finalmente fomos surpreendidos por uma pequena magia. A Aninha (aquela garota que adotou o nerd sem jeito há quase quatro décadas - me tirando da solidão do típica de quem usava a mão direita para fazer carinho na esquerda para fantasiar que estava namorando). Bradou retumbantemente: “Alexa, conte uma história”, ao que foi respondida: “Você deve pedir permissão de seus pais para isso”. Depois de massagear a bochecha de tanto rir, finalmente eu falei que iria resolver no aplicativo, não seria a primeira vez que pensaram que ela era minha filha.

Bug resolvido e logo veio a história de um cachorrinho esquisito de pernas longas, focinho achatado e rabo de pompom. Falante ele diz para a menina que o achou que é assim por ser filho de galgo, neto de boxer e bisneto de poodle, mas se o adotar será todo feito de amor.

Então o equipamento ultra tecnológico já se pagou, simplesmente por um ato mais que humano de transformar em metáfora a minha própria história vira-latas adotado por uma linda menina.  


quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Ilustríssima

 Devo ter visto o Mágico de Oz umas duzentas vezes quando passava todo os dias na Sessão da Tarde, porém só recentemente dois detalhes ficaram claros para mim: a relação com diversos problemas ligados a Defesa Civil e o fato de que o filme, inicialmente em preto e branco explode na novidade do Technicolor revelando a cor da “brick road”. Logo eu que ainda há pouco pensava que a memória teria em nós algo como fitas cassete enroladas em nossos neurônios.

Hoje compreendo o quanto a memória me traz para o mundo feminino ao lembrar da irmã que não sobreviveu a si mesma me oferecendo banana com canela, da outra irmã que me deixava desolado ao pôr o uniforme da famosa loja de departamentos para sumir de minha vida ou da menorzinha que se escondia atrás das pilastras dos blocos dos sargentos para cuidar de mim.

Hoje essa deusa louca chamada Mnemosine me diz que para lembrar algo deve ser, necessariamente, relevante em emoção. Dentre essas névoas passa um filme em cores plúmbeas de um ônibus avariado no que parecia ter sido mea culpa por estar fazendo muita bagunça. Todos no coletivo, incluindo o condutor mal-encarado apontavam os olhares para mim. Se o que recordo até agora lhe parece inverossímil dê o devido desconto pois até então minha mente só havia vivido uns quatro anos. Então um pequeno anjo de cachinhos dourados e olhos azuis me dá a mão e diz: “falta pouco, daqui até em casa dá pra ir a pé”. Um final triste para um passeio na praia.

Ela deveria estar pisando nos astros distraída ao passear entre duas músicas daquela época: “she was just sixteen and all alone, when I came to be” e “she was just seventeen and you know what I mean”, entretanto já carregava as dores de “Maria, Maria”, antes mesmo do Bituca cantar.

Eram anos de chumbo, mas ela e seu namorado precisavam de uma pausa humanitária em uma luta que já se provava ser assimétrica. Como ele era meu irmão decidiram se esconder na praia, e para parecer um feliz casal com um filhinho me pegaram emprestado para reforçar o disfarce. Foi uma semana de sol, sal e pão de milho, em um filme colorido no prenúncio do furacão que iria levar tudo para o reino de Oz.

Os nove anos seguintes não foram nada fáceis para o casal que disse adeus a estrada de piso amarelo, tantas vezes manchada pelo sangue de seus companheiros. Fatos que não cabem nos programas de entretenimento da TV.

O tempo lhes deu a chance de mostrar suas cores verdadeiras. E até poderíamos parar por aqui pois somos efêmeros como beijos de novela.

Hoje o anjo tem pintado de branco os cachinhos dourados e parece ter esquecido dela mesma. Então cabe a nós lembrarmos, sobre o risco de que o esquecimento nos leve aos mesmos erros que apontam para a Casa Rosada, a despeito dos alertas das Mães de Maio.

Então lhe proponho que não olvide! Me conte das histórias em que ela ficou gigante a despeito de sua frágil estatura defendendo alguém que precisava. Me diga que se é verdade ou anedota as tantas cartas que chegavam ao escritório dela, devido ao seu nome lembrar o diminutivo de ilustríssima. Fale de como ela se comporta como mãe, trabalhadora ou revolucionária. E fale com afeto, afeto é irmão siamês da memória.

domingo, 27 de agosto de 2023

O pai da noiva

De tudo que já escrevi talvez esse seja o texto mais difícil de concluir no que tange à tentativa de não virar clichê. As citações são óbvias que passam pelo Vinicius pedindo para que a filha não cresça ao filme com Steve Martin homônimo ao título dessa crônica.

Seja como for, em algum dia dessa vida devemos ensinar nossas filhas a se defenderem sozinhas em uma sociedade que em geral vê a mulher como um monte de coisas que vão desde seres incapazes de um sobrenome que não venha de um homem, seja ele pai ou marido, até o apedrejamento, contra o qual se insurgiu o Rei dos Reis.  

Em se tratando de casamento até mesmo corro o risco do autoplágio ao lembrar que alertei um amigo que sua, então, noiva poderia se revoltar, ali mesmo toda vestida de branco com véu e grinalda, enquanto algum idiota dissesse no altar que a mulher deve ser submissa. A resposta a isso, caso não lembrem é que o produto bem-acabado é construído após o protótipo imperfeito.

Também sei, a duras penas, que tais posições já me renderam adjetivos nada lisonjeiros vindos da mansfera e seus redpills. Porém elas vieram de uma cláusula pétrea: sou admirador das mulheres, então como não ficar babando se uma delas é fruto de meu amor com o meu amor?

No fim das contas é ela que é a fera, e não o pai da donzela. Assim me cabe simplesmente aceitar que o lhe foi ensinado seja o suficiente para lidar com o patriarcado e entender que a vida segue em seus passos inexoráveis. Logo vou gentilmente apertar a mão do gaiato que ela escolheu (não se engane ao menos nesse século isso deveria ser uma premissa delas), sorrir para a foto e dizer entre os dentes: se você fizer besteira corto uma parte muito especial de seu corpucho, frito, mastigo e dou o resto para minhas cachorras... Não necessariamente nessa ordem.

Essa fantasia se desfaz ao compreender que ela vem de uma linhagem de grandes mulheres e, definitivamente não precisa de nenhuma bravata de seu velho.    

quarta-feira, 28 de junho de 2023

O Poderoso Todo

A maior dificuldade de escrever, para mim pelo menos, nunca foi técnica (nem os erros de meu português ruim) ou de falta de ideias, e sim o risco de plagiar, principalmente a mim mesmo. Um bom exemplo é minha única música que tem registro no ECAD, que por apenas um compasso não é descaradamente copiada de um clássico, ou seja, cante “Hoje direi minha insegurança” no mesmo ritmo que cantaria “Oh! Tristeza me desculpe” para entender o que estou falando.

Juro que não foi intencional, sou o tipo de cara que nunca colou na vida, pois acredito que se um dia o fizesse seria estampado em minha testa um letreiro escrito CULPADO ou algo que o valha. Mesmo assim a gente copia mais que máquina XEROX, com ou sem intencionalidade. O que escrevo é um trabalho coletivo de meu tempo, em especial sobre personagens que passam pela minha vida.

Dessa vez vou estampar todas as letras aqui da fala do melhor amigo que tenho nesse mundo: e passarei a chamar o Todo Poderoso de o Poderoso todo, afinal sempre tive dificuldade de separar a minha espiritualidade de todos aqueles que passaram pelo meu caminho, do mesmo modo que dentre todas as coisas que se criam e se copiam a única constante universal é a conservação de energia.  

Quanto a misturar a mim mesmo com o que faço e ainda atribuir essa mesma visão ao divino eu poderia lhe responder que “Deus me faça brasileiro, criador e criatura”. Mesmo que Moraes Moreira já o tenha dito antes.

sábado, 24 de junho de 2023

submarinos de todas a cores

 Na cidade em que nasci vivia um homem que navegava... E assim era o submarino, em que todos poderiam viver em igualdade. O Nautilus, por outro lado era o sonho do Júlio Verne, um cara que acertou quase tudo, só fico triste dele ter errado o nome do capitão que era Nemo e não Remo. Depois veio o Seaview que embalou meus sonhos  na tevê antes  que eu conhecesse  a Entrepise (live long and prosper), a série que mostrava as belezas do mar, logo após virou nome de saque no vôlei.

Todas essas naves trazem a esperança de que a tecnologia e o engenho humano nos tragam a chance de alcançar o sonho do Lennon, em um mundo com um Submarino Amarelo sem ganância, divisões ou fundamentalismo.

Entretanto forças titânicas podem desviar naves de seus caminhos. O que pode ser traduzido pelo conceito de pressão. Para isso basta saber que a tal da ATM (ou BAR) soma não menos que 100.000 Newtons por metro quadrado, simplificando um elefante ocupando uma área de um metro por um metro. Então por que que não somos simplesmente esmagados pela pelo próprio ar que nos circunda? A resposta vem do conceito de igualdade em um paradigma no qual tal pressão se direciona para todos os lados.

O Titanic encontrou seu fim misturado entre uma pedra de gelo e a arrogância de quem o fez. Já o tal do Titan teve que lidar com aproximadamente 400 elefantes em cada metro quadrado. O resultado tem nome e sobrenome: IMPLOSÃO CATASTRÓFICA. E isso aconteceu com gente que tinha grana o suficiente para encarar uma viagem ao fundo do mar (sem ser um saque) e serem esmagados pelo próprio acúmulo de capital.

Ah! Se soubessem o que sei, poderia ter lhes dito que há três coisas que só servem quando estão espalhadas: Capital, conhecimento e esterco. Obviamente pressão atmosférica também.

terça-feira, 20 de junho de 2023

Orações para paredes de hospitais

Então ouvi finalmente a palavra mágica: ALTA. Ela não parecia vir dos píncaros como algo épico, não há nada de heroico no que ocorreu, foi só mais uma cena da divina comédia humana na qual apenas mudamos de papéis.
Agradeci. Primeiro pensei que algum arquiteto teve a boa ideia de por uma janela logo ali, e o Arquiteto me deu de presente um céu de imaculado azul. Mesmo não sendo herói me ajoelhei como os templários o faziam com um pé plantado no chão lembrando que matéria e espírito são duas manifestações de uma mesma natureza. 
Logo veio uma encarnação do sagrado feminino em forma de mãe de ébano, Edna me abraçou e disse baixinho: ore e agradeça a Ele, e saiba que esse é o melhor momento de meu trabalho de cuidar.
Quem disse que mãe só tem uma não sabe que elas se multiplicam em todos endereços do universo. Recebi seu beijo em minha testa, uma unção. 
Não foi Nike que me trouxe até aqui, foram as bênçãos de todos que pediram pelo meu amor. Então entenda que aquela janela diante de um infinito azul foi meu altar.

segunda-feira, 19 de junho de 2023

Happy ever after

Sempre digo que devemos comemorar cada uma de nossas vitórias. Não é todo dia que se ganha a Champions League, entretanto é todo dia que se luta.
Acertou aquela questão difícil? Comemore. Achou vinte reais na rua? Comemore. Ganhou um elogio pelo jeito que faz o peixe? Comemore. 
Juro que nunca entendi quem gasta as economias de três anos numa festa de 15 anos, entretanto entendo o porre de quem passa no vestibular. Para mim é a diferença entre o orgulho de ser quem somos e a soberba de se achar especial.
Então, como se comportar quando você entende que o seu momento mais parece o happy end de um filme maluco? Posso lhe dizer que estou meio que anestesiado pela mistura louca de emoções de quem pode dizer que é mais fácil ver nos telões um amor de cinema do que viver um amor de cinema.
Nessas horas sempre me socorro de alguma música para me expressar. Então tudo que posso dizer é: jogue suas mãos para o céu se tiver alguém que você gostaria que estivesse sempre com você.

terça-feira, 13 de junho de 2023

Voltar aos dezessete

Náo há como não arriscar um portunhol básico quando Mercedes Sosa canta aquela música icônica, com tantas e lindas imagens que nos deixa perdidos. 
Quantas vezes você percebeu que em sua vida seus passos retrocediam enquanto outro avançava? Ou que você queria voltar aos dezessete e se sentir como uma criança pura diante de Deus. Ou ainda se sentiu paralizado como um muro tomado de musgo?
Uma certeza estranha me abate, na qual certas canções sâo eternas. Deus deve ter feito the long and widding road no primeiro dia da criação e guardou para Ele, um dia teve dó de nós e permitiu que o Paul sonhasse com anjos cantando e revelasse toda aquela beleza.
Como um poeta pode por tantas metáforas em tâo pouco texto?
Só sei que hoje vou ser acompanhante de minha namorada em um quarto de hostpital. Estão, na mesma mão estará uma aliança que penetrou em meu ninho e uma pulseira de papel tão frágil como um segundo.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

O jogo

"Baxa a cabeça ae." A gente sempre falava quando alguém passava de carro sob a rede de vôlei. Óbvio que não fazia sentido algum, então rolavamos de rir se realmente baixassem a cabeça. 
O improviso substituía tudo dois postes serviam de suporte para a rede, o meio fio servia de limite lateral, o asfalto de quadra.
Assim que a rede era armada algo mágico acontecia, acredito que quem era fominha de verdade sentia o cheiro e logo a rua estaria lotada.
Entre pontos e vantagens lá ia o set, o esforço era tanto que rolava até peixinho no asfalto. Quem perdesse ia ter que ficar um tempão de fora.
Assim era a Rua 3. E a coisa foi ficando tão animada que até olimpíadas rolaram, com futebol de salão e vôlei misturados com esportes nada olímpicos como buraco e pau de sebo.
Eu não tinha entendido a grandeza do que ocorria na época, nem mesmo o porte do Ponês, que era o cérebro que organizava o caos.
Eu gostava tanto de jogar vôlei que até poderia ter aprendido. O vôlei era muito mais inclusivo para mim, pois ao jogar futebol sempre troquei os pés pelas mãos, o que influenciou decisivamente para minha individuação tanto esportiva quanto psicológica. 
Mesmo assim aprendi muito ao jogar na rua, e foram coisas que me acompanham até hoje: O tempo é relativo,  na quadra passa rápido do lado de fora o ponteiro dos segundos pensava que estava marcando as horas. Lidar com a zoação faz parte, desde que ninguém seja humilhado, devemos ganhar com elegância e perder com dignidade. Não saber limites é um risco, pois cair sobre o meio fio dói um bocado. O décimo quarto ponto levava o nome de boa, e o décimo quinto é o mais difícil, pois vôlei se joga com o corpo todo incluindo a cabeça.
Porém de todos o melhor aprendizado foi entender que um abraço é uma forma de reconhecimento melhor que uma medalha. E isso o Ponês sempre soube fazer como ninguém. 
 

sábado, 10 de junho de 2023

Marina Lima

Meu filho cansa de me dizer que meu tempo é hoje, mas como meu tempo pode ser hoje com a Marina Lima me assombrando?
Pessoas e artistas ficam no caminho. Alguns somem e outros a gente deixa de gostar, assim como aquela garota das telenovelas que simplesmente pirou e defende o indefensável. Adeus namoradinha do Brasil ao som de rock and roll lullaby.
Com outros o buraco é mais em baixo.
Sabe aquele artista que morreu, física ou metaforicamente?
Caramba! Cadê Lennon, Prince, Michael, Amy, Elvis?
Para onde foi tanto talento? 
Hoje apenas lembro da cantora que embalou os anos 80 . Cadê a voz que fala sobre os dois irmãos ou quando o hotel Marina acende?
De que adianta estar no lugar mais maneiro do universo se tudo que se recebe é solidão a beira so mar? Quando o que queria de verdade era ter você toda se ardendo só pra mim.

quinta-feira, 8 de junho de 2023

Para condenar Capitu

Sempre gostei de feiras da ciências nas escolas que trabalhei, dentre vulcões fedorentos e zigzags elétricos que acendem luzinhas sempre acabamos achando coisas interessantes ou originais que os alunos têm para nos ensinar.
Nesse mesmo espírito fui convidado a ser jurado em um julgamento simulado onde a ré era acusada de traição (lá no livro sempre achei que ela era o Sol, si você não pensa assim tudo bem, mas ela fá uma sinfonia para mi).
Fui ocupar minha cadeira totalmente enviesado. Aqueles olhos de cigana nunca me enganaram, e a pulga atrás da orelha levava o nome de Escobar.
Entretanto quem o poderia culpar, mesmo que houvesse dolo? É fácil usar os sapatos dele, já que em minha adolescência Capitu havia povoado alguns sonhos nada publicaveis. E quem não os teria?
Nada iria derrubar minha convicção até que uma aluna brilhou no púlpito e bradou que todas as supostas provas eram circunstanciais pois a escrita estava em primeira pessoa, e não um pessoa brilhante como o Fernando, mas um cara medíocre chamado Bento, que de tão pequeno portava o diminutivo no nome.
Meu mundo caiu junto com da Maysa, a certeza imediatamente substituída por uma dúvida razoável. E no fim das contas a pobre Capitu mais uma linda mulher que teve a infelicidade de chamar a atenção de um homem infantil e medíocre.
Quanto Bentinho só posso dizer que se não é corno deveria ser, Capitu certamente merecia algo melhor 

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Flores e desejos

Estava justo aqui cantando "sonho meu, sonho meu, vai buscar quem mora longe sonho meu" quando você apareceu novamente. 
Não é mais a mesma pessoa, cresceu para além das Américas. Aprendeu a falar a língua dos homens e a língua das máquinas na tentativa de aprender a língua de Deus.
De todos os presentes possíveis traz a flor desidratada e me explica que ela invadiu o seu carro no dia em que o limpador de parabrisas não conseguia secar o que chovia lá dentro. 
Minha realidade pode estar sendo dura, porém seus sonhos o trouxeram aqui. Até mesmo aqueles que você sonha acordado.
Sei que logo você vai voltar para sua nova terra e seus amores, mas quando o fizer leve inteiro o meu coração. 

terça-feira, 30 de maio de 2023

Minha menina

Essa menina que está aí comigo nessa foto, nessa vida e em meu coração está em um momento de luta. 
Sei que muitas pessoas adorariam viver um amor de cinema, com todos os temperos que isso traz. Eu, que o vivo posso dizer que não é nada fácil, e entre dores e alegrias quase entendo os homens frágeis que têm medo de se entregar de corpo, alma e espírito a uma mulher de verdade.  Deixe que eles prefiram a pílula vermelha e tentem ser felizes com o que procuram.
Mesmo sendo agnóstico agradeço profundamente todas as orações, axés, namastês e good vibes que mandarem.
Neste momento o amor de minha vida se encontra no CTI do Hospital Unimed de Nova Friburgo, a cujas equipes não tenho palavras suficientes para agradecer, sendo muito bem tratada e com chances reais de sair dessa numa boa, entretanto esse não é o único fim possível dessa história. Um dia chegamos, outro partimos e isso não tem jeito. O que podemos é dar o melhor de nós entre esses dois dias.
Essa linda menina não fez apenas isso ela é dona de uma vida extraordinária e decidiu compartilhar isso comigo já há 37 anos.
Como se trata de um roteiro de cinema talvez você queira saber qual é a música tema, mas são tantas que o nosso amor não poderia caber em uma caixinha tão pequena.
Encerro dizendo simplesmente que sou grato por tanto que a vida me trouxe até hoje. O amanhã pertence ao universo conforme aquilo que sua fé queira nomear.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Incidir novamente

Devo estar realmente um caco, a ponto disso ser percebido por alguém que me vê pela primeira vez nessa encarnação. O primeiro contato se dá pela existência de uma linda vira-latas caramelo, faço o melhor para sorrir amarelo pergunto o nome dela, e Lindinha faz o melhor que pode para abanar o rabo. Seu dono simplesmente olha para mim e pergunta se estou bem. Não se trata de uma pergunta automática, dessas que desaguam nas condições do tempo. Percebo o mesmo jeito do Chicão quando desejava tudo de bom para alguém. Ou seja, uma real pergunta de quem se importa com outro ser humano, algo comparável ao que Antônio Marcos faz naquela canção: “Como vai você?”.

Quem me conhece sabe (peraí! não vou usar essa famosa frase para me posicionar diante de algo inaceitável que eu tenha feito nas redes sociais, naquele tipo de vídeo que finge ser uma desculpa por ser, por exemplo, racista) que sou transparente, e por isso mesmo um péssimo ator. Então repito minha atitude de simples sinceridade e respondo: “estou tão triste que tenho abraçado estranhos na rua e chorado copiosamente. Cesar, esse é nome dele, se levanta e diz: “Você quer me abraçar?”. É logico que o abraço e choro.

Depois desse instante que tinha tudo para ser constrangedor chega sua linda esposa, a Consuelo, então a conversa fica tão animada que quase esqueço o drama. Em algum momento ela diz que havia trabalhado na FIOCRUZ. Quase dou um salto duplo carpado e questiono se ela conhecia a Ilma. Ela responde que mais que isso, pois havia um vínculo entre elas, que lamentava ter se perdido com a aposentadoria. Então ela se espanta em saber que sou cunhado dessa figura portentosa.

Resultado: trocamos contatos entre nós e o Rômulo (supreendentemente tenho um irmão com esse nome) que já os convidou para um café com prosa.

Na despedida me sinto estranhamente aliviado, pois em se tratando de lógica isso não tem qualquer relação com a recuperação de meu amor. Só que lá dentro do coração levo um pouquinho mais de good vibes e orações para compensar o lamento de tantos ais.

Esse encontro é mais uma obra de arte do universo, portanto nem mesmo as lágrimas são capazes de empanar tamanha beleza.

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Os segredos que guardei pro meu amor

Então você me diz assim na lata que vai para aquele quarto onde não posso ser seu par, e tem a ousadia de  perguntar como você vai ficar sem mim.
As estrelas podem explodir ou se apagar, mas você sem mim é uma divisão por zero. Em simples contas é impossível, e por limite leva ao infinito.
Junto as tralhas para procurar por quem pode cuidar de você. 
Logo depois quero saber a que horas e como posso entrar.
15h, sem adorno a gentil funcionária responde.
Outra impossibilidade, o arco das alinaças penetrou em meu ninho.
Minha mão esquerda sem adorno, mostra a tatuagem da falta de Sol em meu dedo anelar.
E para você que lê eu desejo um dia comum e desinteressante pois meu coração está prestes a explodir de tanta dor e beleza na história de um amor maior que minha vida.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Eris

A primeira piada que meu filho curtiu conta que o sapo diz que quem tem boca grande é o jacaré, então ele poderia ser convidado para uma festa no céu. É inescapável a comparação com o banimento de Eris, a Deusa da discórdia, em uma festa no Olimpo. A vingança que ela urdiu ao mandar um presente gerou não menos que a Ilíada. Pois chegou às mãos tronitoantes de Zeus uma maçã de ouro com a inscrição À MAIS BELA DAS DEUSAS.
Para tornar curta essa confusão só digo que isso vai desembocar na guerra de Troia.
Lembro disso enquanto vou acumulando haters redipilhados justamente por homenagear as mulheres em seu dia internacional, o que foi didático para que eu no mínimo tivesse que pesquisar palavras e expressões como blue pill, mangina, boomer que podem ser resumidas como capacho de mulher. Além disso outro fosso se agiganta entre mim e meus contendores: o fato de que nasci velho e não estou ficando mais novo.
Pode até ser que eu esteja cilindricamente errado, mas minha interpretação do tal pomo de ouro ocorre em um reflexo do Olimpo nos castelos do mundo, pois é muito difícil que reis não queiram se comportar como deuses. E aqui cabe pontuar que buscar o sagrado não deve me afastar do mundo, afinal penso que matéria e espírito são duas manifestações de uma só natureza, conceito metafísico que adaptei da física.
Então quando vejo o sagrado no feminino observo a beleza de Afrodite e a inteligência de Athená e ainda os ciúmes de Hera e a imprudência de Persephone. E porque não? A capacidade enxadrista de Eris.
Cada uma tem seu caminho incluindo as Nhas que fazem questão de reafirmar o patriarcado lambendo botas de poderosos e maltratando os escravos.
É esta a compreensão que me possibilita enxergar a beleza das sete grandes deusas nas mulheres que admiro.
Quanto minha idade só posso lhes dizer que tomem cuidado: o diabo não é perigoso por ser mau, mas por ser velho 

segunda-feira, 15 de maio de 2023

Prime Directive

Psiquê vai e volta do Hades, que não é o inferno de Dante, mas é ruim o suficiente. Que eu lembre só outro mortal conseguiu fazer isso, um tal de Hércules . Para simplificar uma história longa o herói bate em todos pelo caminho, a menina tem que usar a sutileza.
Dentre os desafios dela tem um que ainda não entendi muito bem. Ela dá de cara com um velho e um burrico (se tivesse um menino junto virava um conto de Monteiro Lobato) sobre a besta um saco de areia furado que vai espalhando tudo. Então, qual seria a missão daquela que representa a alma? Pasme: NÃO INTERFERIR!
Aqui cabe um dos conselhos primordiais a qualquer gestor: na dúvida fique calado para parecer inteligente. Ou no meu caso específico não confirmar ser um nerd maluco. Pois tudo isso me lembra a primeira diretiva de Star Trek, que em um resumo se trata de uma norma de não interferência com as civilizações que ainda não dominam as viagens interestelares.
O fato é que o Picard, o Capitão da Nova Geração, sempre fez o possível para ser ético, não somente neste caso, mas em todas a situações que encontrava. Já o Kirk parecia um cowboy jogando poker.
Só espero que você não queira que eu termine esse texto com algum conselho edificante. Penso apenas que as regras foram feitas para serem seguidas. A não ser que você seja o Neo. Neste caso saiba como as distorcer do modo certo 

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Sobre aprender a amar

O próximo domingo é dia das mães e foi em um dia como esse que pela primeira vez percebi que amores também são fenômenos sociais. É também possível ver esta relação como uma sofisticada rede biológica em busca de preservação das espécies. Ou ainda como uma série de reações químicas em nossos neurônios em busca de prazer.
O que penso? Que é isso tudo e muito mais.
Meu amor se reflete nas canções que aprendi e nos filmes que vi.
É como se tocasse "as time goes by" quando dou um abraço em minha menina.
Menina, aliás, do anel de lua e estrelas. As mesmas que brilham sobre o céu de Marrocos na cena final de Casablanca.
É todo azul do mar emoldurado no céu de santo Amaro, enquanto meu coração pulou e me deixou assim com os pés fora do chão.
É um chão de estrelas refletido na poça d'água do céu de minha alma.
É Harry e Saly nascidos um para o outro dançando com um torturante bandaid no calcanhar.
É o olhar de Nala para o Simba cantado pelo Elton John. São os fogos de artifício espocando em uma viagem de tapete mágico. É o Vagabundo dando a última almôndega para a Dama 
Entretanto, também é o Jack congelado nas águas do Atlántico Norte. É o fim de love story. É Sunshine on my shoulders e de tudo isso a culpa é das estrelas.
Então se você quer me chamar de antiquado fique à vontade, sou mesmo um amante a moda antiga, do tipo que ainda manda flores.
E também entendo, caso você decida não se arriscar nessa montanha russa.
Também sei que em nossa vida há amizades, lugares e outras pessoas de quem gostamos muito mesmo e de verdade, porém saiba que disso tudo quem me define é o Lennon quando canta "in my life I love you more". 

domingo, 7 de maio de 2023

Ave migratória

São auroras no céu outonal. O brilho se espalha para além do horizonte. Distante ainda vejo as penas e dores vestidas de rubro.
É fácil admirar o pássaro que renasce das cinzas. Mas não esqueça que viver nem sempre é melhor que sonhar.
Em seu ventre a cruz céltica rebrilha fulgurante.
Penso nos incêndios que vi e o temor das chamas se transformando em fascínio.
Quantas vezes há de renascer minha fênix?
Mesmo assim só vejo a beleza resplandecer no lamento de tantos ais.

domingo, 30 de abril de 2023

Cançōes e orações

A música tem sido minha forma de oração ultimamente. Vou cantando por aí, se possível fazendo acordos com a mão esquerda e bailados com a direita. Porém, como naquele momento ambas tocavam o volante resolvi cantar à capela.
Lembrei da canção que meu pai deu de presente manuscrita para minha mãe, coisas do tempo em que não havia Spotify.
O problema é que, apesar da profunda beleza da peosia do Vinícius, a tristeza se espalha nos versos que dizem que o amor é uma nuvem que só acontece se chover.
Então ligo o rádio para ouvir Caetano dizer que Deus cuida dele na sombra das asas.
Quantas vezes você já passou por isso  de tocar exatamente a música que você precisava ouvir em um certo momento certo?
No destino em momento de espera toco Ave Maria dedilhando e quem ouve esse lamento são as paredes do Hospital Unimed de Nova Friburgo, assim como disse o Papa Francisco sobre catedrais, hospitais e cadeias.
É também nesses lugares de estresse e luta é que encontramos as melhores pessoas.
Falo com o Geraldo sobre a canção e apesar de estar sempre correndo de um lado para outro, sem deixar suas obrigações na segurança, ele dá um jeitinho cantar mais uma parte da música gospel para mim. No fim das contas é assim que acontece. Você faz uma oração e aparece um anjo.

Sotaques e cães

Sotaque, ideologia e relação com pets são três coisas que dão uma boa ideia de quem é quem. O lance é que é muito mais fácil projetar no outro do que dizer: tenho sotaque, ideologia e relação estranha com cães, gatos e os mais complicados... humanos.
Só percebi meu jeito peculiar de falar quando vi o Paul McCartney no show do Maracanã. Naquele dia me encantei quando ele disse em português OBRIGADOU GENTCHI. Foi então que minha irmã ressaltou que ele havia aprendido isso com algum Carioca, que até poderia ser eu, pois chio mais que chaleira velha.
Quanto a ideologia posso dizer que tenho voltado para minhas raízes aconselhado por Drummond dizendo: Vai Remo, ser gauche na vida.
No terceiro item assumo que as duas cachorras pretas, uma labralata outra border, mandam no quintal.
Ou seja, não adianta tentar esconder quem sou, me revelo a cada momento, pois como já disse sinceridade e raciocínio rápido sempre foram minha ruína.
Assim lá vou eu fazer uma caminhada com minhas pretinhas devidamente na corrente. Quando surge direto de Games of Thrones um enorme lobo branco. Seguindo sua natureza, contrária a fala do dono para quem um bichinho desse é sempre manso, ele nos ataca. A Chiquitita tem a metade do tamanho, porém o dobro da coragem, portanto revida. Tento acertar um ou dois chutes no dog branco (perceba que se fosse um filme velho de bang-bang eu estaria com as cores do bandido - eita racismo estrutural).
Lá longe alguém grita: para com isso ele não tem culpa. Respondo com o berro: a culpa é da senhora. O que repeti com a insistência dela por não assumir a culpa porque não queira o deixar fugir. Retruquei informando que não a acusara de dolo e sim de culpa 
Logo aparece o marido para defender a moça usando um vocabulário que não vou reproduzir aqui. Afinal não posso esperar que alguém assim tenha o mínimo domínio da língua portuguesa, quanto mais entender a diferença entre dolo e culpa. 
Como não sou lobo fiz um enorme esforço para não começar uma briga. 
Passada a adrenalina fica a reflexão. Deles sei o sotaque que se reflete em uma linguagem quase infantil do tipo quem pisar na linha xingou a mãe do outro.
A incapacidade de dizer algo como: desculpe me por ter errado. A ligugem ensinada pelo Olavo de Carvalho para lidar com confrontos. 
Em resumo fica evidente a ideologia. Então posso dizer sem medo de ser feliz: sei em quem eles votaram no verão passado.

domingo, 9 de abril de 2023

WAVE

Naqueles dias eu tive a oportunidade de frequentar a casa de minha querida família estendida, logo precisava saber como agir diante da chuva de hormônios que me atacava aos 14 e o total desconhecimento de como me comportar distante da beira de favela em que morava.

Lembro da música que resumia isso e dizia qual era o X do problema, pois palmeira do mangue não vinga na areia de Copacabana.

Eu precisava de um guia, e lá estava o João, mais que um primo: um irmão; e ele percebendo que eu estava perdido me ensinou qual era a lógica. O que era no final das contas muito simples, parecida com as regras não escritas do Muquiço. Eu só precisava entender que se pega jacaré de olhos abertos e boca fechada e se conseguisse encontrar alguma garota louca o suficiente para dançar uma lenta comigo seria de olhos fechados e boca aberta.

Das noites tudo que entendia era o som, então não importava muito se BUILD era como construir uma casa, ROCK AND ROLL LULLABY era sobre as agruras de uma mãe solteira e DEBORAH era a resposta a carta de uma filha. Tudo que precisava saber era colocar um torturante band-aid no calcanhar e manter o ritmo... dois pra lá... dois pra cá.

Já o mar não tem cabelo pra gente se agarrar e a tal vocação imprudente me fez pegar ondas de até dez pés mal sabendo nadar.

Poderia ser um inferno, mas lá estava meu psicopompo me levando em segurança diante dos maiores perigos: as garotas. Assim aprendi a passar por isso sem que as achasse culpadas de minhas próprias inseguranças, até que finalmente entendi o ânimo da ânima, para enfim saber que devemos ter amor para dar ao invés de implorar amores vãos.

Assim quem sabe você pode até pensar que eu poderia ser solidário aos pobres machos solitários, mas nem chego perto disso. Um homem de verdade tem duas chances de ser educado: uma pela mãe outra pela esposa. O que se parece muito com a dentição. Sei de casos de caras que tiveram que ser educados pelas filhas em momentos bem dramáticos uma verdadeira dentadura.  

Hoje, finalmente sou capaz de entender os caminhos das ondas e cada uma das canções que embalavam os amores de verão. Afinal nadar é preciso, viver não! E que a menina que faz minha sinfonia já está para acordar e logo vou ler este texto para ela.

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Sobre leões, suricates, javalis, porcos e raposas

Disparado a cena mais engraçada da história do cinema vem de o Rei Leão. Ocorre quando Timão e Pumba dançam a hula para distrair as hienas.
Mais recentemente fui ver a versão mais realista e fiquei decepcionado. A tal cena foi cortada por problemas de verossimilhança. O que faz todo o sentido, no entanto, me obriga a lembrar que jamais podemos deixar a verdade atrapalhar uma boa estória. Entenda, definitivamente, que a única obrigação da ficção é ter coerência interna.
Posso até me socorrer da Fazenda Modelo de Orwell para deixar muito claro como os porcos se comportam, o que é confirmado pelos pigs dos Beatles.
A coerência interna da cena é baseada na amizade de Timão e Pumba, o que faz com que o javali se comporte como um suricate.
Imagina um ser simplesmente apetitoso se expor totalmente para seus predadores só para proteger o bando, mesmo que não tenha nenhum filhote seu em jogo? Pois é o que os pobres, escravos e suricates fazem.
Simplesmente porque quando a vida é dura e você é presa talvez uma alternativa seria ampliar seu conceito de família e estender a todos que  você ama.
Enquanto isso o porco pode dizer tranquilamente:"Já vali muito, quando ainda não havia aberto mão de minha força ancestral". 
Já das hienas, tudo que posso dizer é: se afaste assim que puder. Canso de dizer que a maior vantagem de ser aposentado é o prazer de só lidar com gente boa. Então se tiver de estar ao lado de quem quer sua carniça tenha muito cuidado.
E o que dizer dos leões? Bem, eles são o símbolo da realeza, então não se iluda, eles só vão cuidar dos que são leões. Ou seja, se você é um servo em um esquema feudal lembre-se do ditado. O melhor lugar para ficar é à frente dos burros, atrás dos arcos e longe dos cardeais.
Hoje, contudo, tudo o que penso é como ser uma raposa do Èxuperi e perceber que o humor de todas as estrelas é determinado pelo destino de só uma rosa.

sábado, 18 de março de 2023

Seu Orixá

Desculpe meu filho, sei que lhe disse que receberia seu pedido como uma missão, uma obrigação de vida e morte, pois o que você quer saber é fundamental para espiritualidade. Volto, todavia, de mãos vazias como qualquer carateca. E venho declarar que seu padrinho Yorubá se escondeu nas areias do tempo. Tudo que posso lhe oferecer agora é apenas o trecho de uma canção do Beto Guedes que fala dos que se perderam no caminho.

E que caminho. Naqueles dias você era pequenino, mesmo assim já havia vencido dois dragões um pouco antes de sua primeira cerimônia. Entretanto, devido as obrigações que se empilharam no nobre dever de vidas alheias salvar não pude ir ao seu batizado católico. Fiquei triste agarrado no serviço lá em Friburgo. Mesmo assim tudo se resolveu como por um encanto: contei para um amigo e ele me propôs lhe batizar novamente.

Os acontecimentos se acumularam e quando vi você já estava no colo de sua tia, todo de branco aos sons dos tambores, sendo abençoado por uma entidade. Era noite, mas eu podia sentir o cheiro da luz.

Posso lhe dizer, todavia, que todos estavam ao seu redor. Você é um herói de mil faces em um mundo de mil possibilidades. Iemanjá estava lá, certamente sabendo que muitas vezes haveria um oceano entre nós. Exu tacava pedras no passado mudando tudo. Oxóssi, Xangô e Iansã passaram por lá também. Não sei bem o que eles fazem por você, contudo a obrigação de saber é só sua.

De todos o que mais me chamou atenção foi Ogum, que muitas noites antes havia me visitado em um sonho no qual pousara sua espada em meu peito. Parecia que iria explodir meu coração, pois mesmo seu toque mais leve pode erguer um elefante. Talvez você o conheça com o nome de Jorge e até já o tenha visto visitando a Lua vencendo os dragões com seu cavalo.

Assim são os guerreiros.

Então não me pergunte mais qual é sua estrela guia, há toda uma constelação lhe apontando os caminhos.

Tudo que posso lhe oferecer é minha benção: axé!

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Fibra de herói

Aninha acorda com estranheza e me pergunta por que eu estava chorando. Mostro a foto e respondo entre um soluço e outro “Fique tranquila, querida, é pura emoção transbordando.

Se trata apenas da história de mais um herói de mil faces. Afinal de contas quem não o é? Me socorro do Campbel na esperança de não explicar demais uma metáfora e acabar com sua capacidade respiratória, pois apesar de serem ossos, metáforas são pulmões em sua capacidade de expandir o cérebro e apaziguar o coração. Então direi apenas que cada um deve ser o protagonista de seu próprio filme, tenor ou soprano de sua própria ópera, dançarino em cada ato e dono do próprio nariz.

Voltando ao tema do que é sobre como ser um herói pergunto redundante, pleonástica e repetidamente: quem não o é?

Então lembro da pior crise que em que trabalhei. Mil óbitos! A Serra do Rio de Janeiro um sorvete derretido naquele fatídico verão. Não esqueço da dor de um pai que implorava por equipes de trabalho para achar o corpo de seu menino ecoando no lamento de tantos ais.

Depois do tanto que já vi faço o possível para não acompanhar o que está acontecendo lá na Turquia onde não ficou pedra sobre pedra. Apenas ouço ecos de uma tragédia monumentalmente maior.

São nessas horas que vemos as atitudes humanas extremas, dos atos mais vis até a mais profunda nobreza.

Eis a foto de um herói, exausto, voltando para casa; pois infelizmente sua especialidade de achar gente viva não era mais útil. Sei que parece uma atitude pequena, mas a companhia aérea fez questão de que aquele ser de luz tivesse o melhor tratamento possível depois de tão intensa jornada, pouco importando em qual classe ele deveria viajar. Pois “não é assim que tratamos nossos heróis”.

Seus olhos negros cansados e enternecidos pareciam humildemente agradecer sua volta de primeira classe. Em condições normais esse cara seria preso e colocado no compartimento de carga. Chamo a Chiquita, que interrompe seus latidos no quintal e mostro seu irmão para ela: o herói da história também é um labralatas.  

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

A culpa é do Jimmy

Toda vez que alguém fala sobre isenção eu passo a prestar bastante atenção em qual é a ideologia que essa pessoa professa. Isenção é uma boa desculpa para mascarar fatos inescapáveis. Resumindo: jornalismo isento, juiz imparcial e a mão invisível do mercado são as versões adultas para o Papai Noel e Coelhinho da Páscoa.

Sei que no frigir dos ovos (mexidos é claro) tudo pode cair no fosso da hipocrisia embalado pelos interesses econômicos (quer saber mais sobre política? Não deixe de ler o caderno de economia!). O que foi terrivelmente embalado por uma charge que mostra dois aviões bombardeando uma cidade pobre, porém o que era enviado pelo Governo (Yankee) Republicano tinha uma pintura sóbria, enquanto o Democrata trazia, na fuselagem o símbolo hippie de paz e amor. Mesmo assim a imagem presidencial projetada traria profundas mudanças no quintal deles lá pelo fim dos anos 70.

Um pouco antes disso meu pai dizia que daria cinco anos da vida dele para ver aquele governador (até então quase inexpressivo) a virar presidente. Achei que deveria ser um cara bacana, pois meu velho só largava do jornal quando cada letra havia passado através de seus olhos azuis. Após isso ele bradava: sou ASTRÓLOGO SEI DAS COISAS. Devia mesmo ser assim pois cada uma das previsões se confirmaram.

Não sou isento, pois cada um desses fatos marcaram as nossas vidas. Jimmy correu chão e mudou mundo, o que redundou com a liberdade de meu irmão em 79, a partida de meu pai cinco anos antes de 89 e a impossibilidade de eu terminar o curso de Física na UFF em 84, posto que a grana de minha mãe desapareceu junto com o velho Paulo.

Sabe aquela história de que se uma borboleta bate as asas em Pequim chove em Londres? Pois é, a culpa de eu não ter me formado em física foi do Jimmy. Mesmo assim não tem como não admirar um cara que sabia das coisas, o rapaz que resistiu, pelas suas convicções, a nove anos de cadeia e o democrata que remodelou o mundo com uma mensagem de paz.    

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Hermes e Afrodite

Num 8 de março fui convidado para fazer uma palestra para homenagear as mulheres de minha cidade (tudo bem que não nasci lá – mas tenho um título para provar isso – coisa que meu time deixou de me oferecer por um bom tempo). Tive a ideia de repetir o mesmo texto na faculdade próxima e lá fui (quase que) literalmente atacado por fundamentalistas religiosos.

Já usei esse espaço aqui para falar sobre o risco desse tal fundamentalismo, mas me permitam voltar ao assunto. Se você acha que só fundamentalista quem está enrolado em bombas falando uma língua estanha, por favor compreenda o que digo. É fundamentalista quem: 1 - não compreende que os ensinamentos espirituais são metafóricos, tomando as palavras ao pé da letra; e 2 – não admite que outra pessoa divirja de suas óticas espirituais estabelecendo que só seu caminho é válido.

Outro ponto ao se falar sobre mulheres é o tal do lugar de fala. Quanto a isso deixe me estabelecer duas linhas de defesa: 1 – falo sobre as mulheres como profundo admirador; e 2 – sou um convicto portador de uma ânima.

Ou seja, já passei daquela fase em que dizia que meu lado feminino é zagueiro do Madureira. Até porque o lugar de uma mulher é onde quer que ela queira estar, incluindo a zaga do Madureira.

Tudo isso reaparece em uma terça de carnaval, dia em que estaria pronto a ser agarrado pelos amigos que passam no bloco das piranhas, o que também já virou tradição. Como estou longe, decidi mandar um vídeo mega hilário para um deles, no qual um cara se fantasiou de terno, porém ao virar de costas exibe nada mais que um fio dental atochado em um monte de pelos do bumbum.

Recebo a resposta com um áudio perguntado se eu tinha passado por lá, explico que estou milhas e milhas distante. Outro áudio replica que ele havia sonhado que eu o chamava no portão, coincidência apenas, justo quando minha mensagem chegou.

Coincidência não! Conexão, sincronicidade.

É o encontro de amigos: do velho e do novo, do self com o ego e a possibilidade do reencontro das afinidades e do abrandamento das oposições.

Enfim, espero que você pule muito no carnaval, tenha as catarses que quiser, mas beba água entre uma cerveja e outra e ainda que faça seus encontros entre Hermes e Afrodite. Se possível leve a metáfora para o resto do ano.

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Terezinho de Jesus

Parece com a dentição.
Todo homem tem duas chances de se educar.
Uma com a mãe.
Outra com a esposa. 
Se essa vier a ser a missão da filha ... Bem, aí já deu tudo errado 

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Zodíaco

  

“E eu que não creio peço a Deus por minha gente

É gente humilde que vontade de chorar”

É uma daquelas contradições que demanda muita explicação, o fato é quase não opino sobre o assunto, mas se me perguntam sempre digo que sou cético, penso que é difícil alguém de exatas acreditar em horóscopos. Mesmo assim lá estava ele na prateleira implorando: “me compra”. Tal qual um filhotinho de cachorro.

Foi tocar na capa azul e ver as letras em relevo, que o menino que mora em mim quase deu um pulo para fora de meu corpo. E logo lembrei que sempre sonhei que um dia chegaria em que em não teria que regatear para comprar um livro. Se tenho vaidade e ambições ambas são intelectuais.

Resumindo. Lá vim da livraria com um exemplar de Jung e a Astrologia. Estava doido para completar a trilogia que desejava há muito, depois de ler “O homem e seus símbolos” e “Jung e o Tarô” esta seria a sequência lógica.

Hoje leio devagar, meio por preguiça, meio pelo temor da hora da despedida de meu amigo de papel. Começo por Áries, e logo pergunto a Aninha se conhece alguém dessa linhagem. Contenho a ansiedade que me levaria direto ao sétimo signo, mais uma contradição de alguém tão desequilibrado e ansioso.

Interlúdio.

A vida cotidiana me chama, e lá vamos nós para o Pilates. A Val nos recebe com o bom humor de sempre: “preparem-se crianças, hoje tem circuito”. A resposta da vida me atinge como um raio. Fica óbvio que não sou, não passo, não tenho um signo. Da mesma forma que as cartas de Tarô não me pertencem.

Preciso caminhar por todos.

Minha condição humana é individual, portanto, indivisível.

Doze signos, vinte e duas cartas, sete dias da semana e inumeráveis estrelas não são suficientes para dizer quem somos, mesmo assim nada nos impede de pisar nos astros distraídos.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Velhos baianos e novos amigos

Posições políticas têm me afastado de pessoas que conheço a mais de 50 anos, e tem me trazido novos amigos, para simplificar esta fala vou dizer apenas que não me importo nem um pouco com o que você fez na urna passada. Resumindo, para mim tudo bem se você votou no Satanás encarnado, pois o tal do voto secreto é um bem fundamental da democracia. Afinal, isto evita que eu tenha que votar em quem manda no pedaço, seja um coronel do sertão ou o miliciano de plantão, entretanto, se você faz campanha pelo nazifascismo ou qualquer outra coisa parecida me reservo ao direito de me afastar, pouco importando o que você significaria em minha história.

Dentre esses novos amigos quero contar a conversa que eu tive hoje com um cara genial que toca a vida dando aulas química (Deus me livre) pelo mundo a fora.

Hoje refletimos sobre o desprazer comum que temos ao ouvir o tal do funk carioca, o calote na formatura dos alunos TOP, como ajudar a quem quer estudar e a crise humanitária que afeta nossos representantes originários (como você vê não falta assunto!).

O lance é que é foda dar aulas para sobreviver, desde que um tal Sócrates esculachou os tais dos sofistas que recebiam por dar aula é complicado você ter que explicar que não nasceu em berço de ouro e precisa disso para sobreviver. Além do mais, que antes de ter ideais altaneiros você tem que pagar boletos. Pois é, esse amigo decidiu doar parte do seu trabalho para, pelo menos,  um aluno bolsista como quem colhe uma flor no jardim e percebeu que na verdade estava dando água no deserto.

No décimo de segundo seguinte decidimos debater sobre o alto investimento de ONGs com perfil religioso nas fronteiras do país, e como ele saca muita química pude entender o porquê de o tal do mercúrio ter restrições no transporte aéreo.

A conversa desviou para o calote que os alunos de medicina tomaram, no mesmo tipo de festa onde toca funk.

Ou seja, vou precisar de alguns dias para por minha cabeça doida e doída em ordem, para ultrapassar as conclusões óbvias de que meninos usam azul, meninas usam rosa e indígenas miseráveis usam a própria pele sobre seus ossos secos, que não adianta disponibilizar a obra de Mozart nas favelas do Rio se a realidade que produziu o funk não mudar. Mas principalmente que é difícil pra cacete ele ensinar química e eu física enquanto não houver laboratórios disponíveis nas escolas públicas.

Como diria Mick Jagger “I can get no satisfaction, BUT I TRY”.

sábado, 21 de janeiro de 2023

Dada

Naquela noite só consegui apaziguar a mente depois da exaustão. Logo uma luz intensa me chamou para um sonho vívido, colorido, atemporal.

Então vejo que o laranja intenso vinha espalhado do manto dele.

Fiz milhões de perguntas cada uma delas foi respondida com um sorriso e nada mais.

Minha única opção era copiar o que fazia.

Cada movimento tinha um significado, sutil, pleno.

Mentiria se dissesse que os compreendia, porém fui passo a passo intuindo cada detalhe e sua simbologia.

Depois um outro eu chegou, como sempre ocorre nos bailes de máscaras. Era inquieto, perturbado, uma pedra jogada no lago. Só me sinto bem novamente quando ele parte, levando consigo/comigo sua sombra.

Então fiz a pergunta que o mestre resolveu, finalmente, responder: “Por que não perdeste a paciência?”

- Em breve ele estará morto, devemos ser gentis com os moribundos.

- Sabes quando ele partirá? Não sabia que tinhas tamanho poder!

- Claro que não sei.

- Então por que dizes que é moribundo?

- A vida é breve.

- Ainda não entendi, posso perguntar mais? O que mais podemos dizer um ao outro?

- Não direi mais nada, além de que em outra vida irei te responder quando eu estiver em teus braços.

- Não se vá mestre! A ainda muito a ser dito. Por favor, não vá. Por favor... por favor... por fav... por..

Acordo banhado em lágrimas só me consolo ao perceber aquelas seis cordas olhando de volta para mim.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Infravermelho

Ele havia prometido um dia branco, se branco ele fosse.

Lá no caminho do infinito o sol discordava.

O dia seria vermelho.

No vestido revestido de luz.

Nos olhos marejados de sono.

Nas pétalas da rosa.

No sinal fechado.

No sangue que pulsa.

Na conta do banco.

 

O que houve?

Sem prova de vida.

Ela estava tão dedicada a viver que esqueceu da vida.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Memento mori

 Disparado de todas as qualidades humanas a que sou mais incapaz de aprender é  saber quando calar.

Os sinais estão espalhados por aí. Lembro da figura da enfermeira estampada nos corredores dos hospitais com o indicador cruzando os lábios. As placas nos ônibus informando que deveríamos falar ao motorista somente o necessário. O cala boca Bárbara do Chico. O Silêncio ele está dormindo em uma canção que ecoa na memória e toca meu coração. A aula de yoga. O torcedor do jogo de tênis. A explosão no vácuo.

Então, por que nunca aprendi uma lição tão básica? Talvez meu melhor amigo esteja certo e eu seja o cara inteligente mais burro que ele já conheceu. Resumindo uma anta com Q.I. de 400... pobres antas.

Sofro de sincericídio, doença genética e congênita associada a (quase) toda minha família, e digo quase somente para estabelecer uma apertada margem de erro. Não vou falar, não vou falar, não vou FALEI. Lembrando o bode do filme de animação de deu a louca na Chapeuzinho.

Sei que a palavra vale prata e o silêncio vale ouro. Mas o que é o tal do ouro senão uma porcaria que reafirma as desigualdades do mundo e deixa mercúrio espalhado nos rios, matas e comunidades.

Há algo em mim que fala, que canta e grita.

Mas se você disser que eu desafino, amor, vai tomar... que eu não sou cantor.

domingo, 1 de janeiro de 2023

Só mais um dia

 

Dentre as coisas que me meti a fazer no ano passado está o corajoso ato de aprender a tocar violão. Estou à beira dos 60, então esse projeto tem algumas coisas fáceis e outras coisas difíceis, vamos a elas:

Cantar junto é fácil, acertar o ritmo é difícil. Entender com a cabeça a lógica matemática da música tem sido fácil, tocar e achar o tom certo com as mãos é difícil. Encontrar tempo para tocar, agora que estou aposentado é fácil, convencer a Aninha que não tenho nenhuma outra obrigação é difícil. Ter dedos calejados é fácil, lidar com o corpo caloso do cérebro é difícil.

Imagina cantar e tocar em público! Pra mim é fácil, para a Aninha é quase impossível, consequência de tanto óleo de peroba que passei na minha cara ao longo dos anos.

Difícil mesmo é traduzir Yesterday justo na frase em que diz “não sou a metade homem que costumava ser”. Pensa bem... há meia hora eu era bombeiro, um sonho de quase todo mundo que conheci, não importa muito que para mim muitas vezes não passou de uma realidade dura. Simplesmente encarnei o arquétipo. Do mesmo jeito que aqui e agora encarno outro: o do contador de estórias.

Mesmo assim já escolhi mais uma música para aprender. Se fui de Paul Yesterday vou de Lennon tomorrow.

E faço isso porque estou vivo e penso que o dia só se completa se eu aprender algo novo, mesmo que seja apenas um acorde. Concorda?

Ainda tenho que ler o terceiro livro do Patrick Rothfuss, aquele desgraçado que está me enrolando e não publica o “Doors of stone” de jeito nenhum. Ainda vai sair outro filme do Avatar. Uma série nova de Jornada nas estrelas está no forno. Ainda não entendi direito os detalhes do movimento rotacional, imagina então aprender o que é campo quântico!

Talvez seja muito. Amanhã será um novo dia, até lá só quero aprender a tocar imagine. Quem sabe Papai do Céu me concede essa graça?

No fim das contas aqui estou eu, do mesmo jeito que minha mãe estava justo um mês antes de partir quando me disse: ‘tenho muito a aprender”. Também tenho querida, e um violão tem me ajudado um bocado.