FIRE AND RAIN
“Sweet
dreams and fly machines in pieces on the ground.”
Antes de tudo devo começar
qualificando este texto, que nada tem de científico, afinal são apenas
reflexões de alguns anos de aulas e outros tantos como bombeiro. Assim se
tivesse que haver um fundo musical seria o James Taylor, quase recitando o que
traduzido seria do tipo “Eu vi incêndios, eu vi chuva, e alguns dias de sol que
me fizeram pensar que nunca choveria...”
Tudo o que quero dizer começou
após um terrível acidente que ceifou a vida de cinco jovens no que seria um
carrão da época, então passei a introduzir em minhas aulas (física, amigos – o
que explica minha forte tendência à loucura) algumas questões que envolvem
ética e cidadania. No espaço acadêmico eu discuto sobre a importância dos
equipamentos de segurança, como capacetes e cintos. O papo começa com um gancho
oferecido pelo Carl Sagan, em uma recomendável obra chamada Os dragões do Éden, na qual ele compara
o risco de queda de uma árvore, o que nos amedronta terrivelmente, ao de se
acidentar correndo, o que nem sempre nos faz temer. Segundo ele isto ocorre
devido ao fato de que evolucionariamente falando descemos das árvores, e nunca
fomos corredores realmente interessantes.
Vejamos então que esta questão
se inicia com cálculo de energia, vamos a ela: “o que você acha de um
motociclista que vai logo ali padaria, devagarinho,
sem usar o capacete?” Intuitivamente os alunos me dizem que não há nada de
mais, apenas um exagero da lei. Vejamos o que dizem as de Newton: a 36 km/h (10m/s) temos a
mesma velocidade de alguém que cai de 5m de altura (quase dois andares). Se
duvidar faça os cálculos você mesmo (v2 = vo2
+ 2ax), uma continha proposta por Torricelli, que por sinal se multiplicarmos
por m/2 nos trará a correlação entre a variação de energia cinética (mv2/2)
e o trabalho (Fx).
Aqui a coisa complica, alguém
sempre vai dizer: “mas professor quando um objeto cai o peso aumenta” (o que só
seria possível se mudássemos o campo gravitacional, indo por exemplo para Júpiter
– sem contar a possibilidade de alguém ainda estar confundindo massa com peso).
Para piorar as coisas sei que
há por ai um cálculo simplificado que diz exatamente isto, o que serve para
comparar o soco do Mike Tyson com o do Maguila, porém sobre esta conta, que muito
pouco ajuda na compreensão holística do fenômeno, a única coisa que posso dizer
é que você não deveria chamar nenhum dos dois para uma briga. Afinal em uma
delas Tyson quebrou a mão o que prova a terceira lei, e explica o fato de que
os lutadores de boxe usam luvas para proteger as mãos e não a cara dos outros.
No caso específico de um soco
há uma série de fenômenos ocorrendo simultaneamente, então para entender o que
ocorre deveríamos considerar a força, o seu ponto de aplicação, se há ou não
movimento rotacional (e como, e quando isto ocorre), o tempo de impacto - o que
os caratecas chamam de kimê (se é que se escreve assim!) – a massa do braço
daquele que bate, a sensibilidade do local atingido, o ângulo do impacto... e
como se trata de uma questão que envolve energia, um importante fato é saber
como dissipa-la, para minimizar os seus efeitos, que os digam os carros de
formula 1, nos quais tudo se destrói com este intuito, preservando a célula de
segurança, ou mesmo um simples rolamento feito por um jogador de vôlei. Sem
contar com uma miríade de outros enfoques para entender as colisões.
A guisa de exemplo, neste papo
podemos ainda considerar uma grandeza chamada de quantidade de movimento, que
tem profunda relação com outra chamada de impulso, e se estivéssemos dispostos
a levar esta discussão à diante, chegaríamos a uma interessante conclusão sobre
a importância do tal do kimê, mas esta fica para depois.
O quero dizer no frigir dos
ovos é que não posso deixar de ficar fascinado por incríveis sobrevidas em
alguns acidentes que já acompanhei. Em um deles, por exemplo, uma moça saiu
ilesa, simplesmente por ter caído exatamente em um buraco que mal cabia o seu
corpo, e sobre ela algumas toneladas de um ônibus que havia capotado.
Não sei se Galileu estava
certo quando disse a linguagem de Deus ao escrever o universo foi a matemática,
só sei que eu estou passando por aí, e entre uma conta e outra vou dando o
testemunho de Sua grandeza e sabedoria.