domingo, 9 de dezembro de 2012


YELLOW SUBMARINE
“In the town that I was born...”
Ando pra cima e pra baixo num carro amarelo um tanto desproporcional, às vezes tenho que despencar para qualquer canto deste estado, nestes momentos pode-se dizer que algo deu errado e lá vamos nós (um timaço, aço, aço) fazer um esforço (às vezes sobre-humano) na organização do caos.
 Se assim não for, a rotina desta nave amarela me teletransporta entre duas cidades, onde levo vidas tão diferentes que parece que sou mais de um.
Não são só personas, máscaras que usamos pra viver, e não me acuse de duas caras, pois não sou tão pobre assim: tenho várias, elas se sobrepõe em camadas sem fim e buscam sustentar um eu profundo.
Outra marca do ser é o ritmo, e a “the long and winding road”  que passa pelo Rio, Caxias, Guapimirim, Teresópolis, um tasquinho de Sapucaia e Carmo me mostra com clareza que há pessoas diferentes em ritmos diferentes, e  mesmo passando por perto definitivamente, não estão no mesmo mundo.
Desço a serra apreensivo: há sempre uma demanda urgente a minha espera, há instruções e projetos, alguns tenho a convicção de que vão dar certo, outras vezes enxugo gelo. Percebo sempre que estamos em profunda mutação e enorme velocidade. Aqui também, posso ver o moleque que estuda, estuda e pisa fundo em busca do futuro.
Sou parte de uma história inacabada, não vou mudar tudo o que queria, mas vamos espalhar sementes e algumas encontrarão calor e abrigo.
Subo a serra ansioso, e só quando vejo as cinco letras na beira da estrada desacelero, estou na cidade que adotei (e me adotou). O aconchego de meu amor me espera, há também a menina que pintou os cabelos de vermelho, e ainda aquela que tem o espírito de menina (que também adotamos) a cantar alguma canção da Dalva de Oliveira.
Aqui o tempo é o meu presente. Aperto a tecla pause, não há outro tecido de espaço e tempo onde eu queira estar.

sábado, 24 de novembro de 2012





ESTRADAS

        
Se você pretende saber quem é a estrada é um bom lugar para viajar em direção do seu eu mais profundo. Roberto Carlos já sabia disso ao propor um passeio até Santos, que era o mesmo lugar indicado por Dinho dos Mamonas .
Curvas e retas, ultrapassagens, paradas para lanche, pneus furados, acidentes de percurso (isto tudo quase sempre acompanhado pelo rádio) nos remetem a nossa própria vida.
Às vezes estamos dirigindo, outras na carona, em alguns momentos temos pressa e em outros podemos curtir a paisagem em alguns momentos curtimos a velocidade e em outros a tememos.
Em uma estrada nossas escolhas podem nos levar a diferentes lugares e, estes podem repetir uma longa rotina, ou abrir as portas para algo totalmente novo.
Escolhemos diferentes veículos para chegar e dirigimos em diferentes estados de espírito. E muitas vezes sequer percebemos as nuances da estrada.
Dizem que para conhecer uma pessoa devemos dá-la poder, mas nem é necessário tanto, em geral basta um volante. Então saberemos o quanto a pessoa é capaz de reagir com precisão estando sob pressão ou de obedecer a simples regras de convivência educação como abaixar o farol.
Sei que esta idéia não é nova: tao, por exemplo, significa o caminho  e é o norte para uma série de filosofias orientais. E para quem esqueceu o próprio Jesus é O Caminho.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012


FIRE AND RAIN

“Sweet dreams and fly machines in pieces on the ground.”

Antes de tudo devo começar qualificando este texto, que nada tem de científico, afinal são apenas reflexões de alguns anos de aulas e outros tantos como bombeiro. Assim se tivesse que haver um fundo musical seria o James Taylor, quase recitando o que traduzido seria do tipo “Eu vi incêndios, eu vi chuva, e alguns dias de sol que me fizeram pensar que nunca choveria...”
Tudo o que quero dizer começou após um terrível acidente que ceifou a vida de cinco jovens no que seria um carrão da época, então passei a introduzir em minhas aulas (física, amigos – o que explica minha forte tendência à loucura) algumas questões que envolvem ética e cidadania. No espaço acadêmico eu discuto sobre a importância dos equipamentos de segurança, como capacetes e cintos. O papo começa com um gancho oferecido pelo Carl Sagan, em uma recomendável obra chamada Os dragões do Éden, na qual ele compara o risco de queda de uma árvore, o que nos amedronta terrivelmente, ao de se acidentar correndo, o que nem sempre nos faz temer. Segundo ele isto ocorre devido ao fato de que evolucionariamente falando descemos das árvores, e nunca fomos corredores realmente interessantes.
Vejamos então que esta questão se inicia com cálculo de energia, vamos a ela: “o que você acha de um motociclista que vai logo ali padaria, devagarinho, sem usar o capacete?” Intuitivamente os alunos me dizem que não há nada de mais, apenas um exagero da lei. Vejamos o que dizem as de Newton: a 36 km/h (10m/s) temos a mesma velocidade de alguém que cai de 5m de altura (quase dois andares). Se duvidar faça os cálculos você mesmo (v2 = vo2 + 2ax), uma continha proposta por Torricelli, que por sinal se multiplicarmos por m/2 nos trará a correlação entre a variação de energia cinética (mv2/2) e o trabalho (Fx).
Aqui a coisa complica, alguém sempre vai dizer: “mas professor quando um objeto cai o peso aumenta” (o que só seria possível se mudássemos o campo gravitacional, indo por exemplo para Júpiter – sem contar a possibilidade de alguém ainda estar confundindo massa com peso).
Para piorar as coisas sei que há por ai um cálculo simplificado que diz exatamente isto, o que serve para comparar o soco do Mike Tyson com o do Maguila, porém sobre esta conta, que muito pouco ajuda na compreensão holística do fenômeno, a única coisa que posso dizer é que você não deveria chamar nenhum dos dois para uma briga. Afinal em uma delas Tyson quebrou a mão o que prova a terceira lei, e explica o fato de que os lutadores de boxe usam luvas para proteger as mãos e não a cara dos outros.
No caso específico de um soco há uma série de fenômenos ocorrendo simultaneamente, então para entender o que ocorre deveríamos considerar a força, o seu ponto de aplicação, se há ou não movimento rotacional (e como, e quando isto ocorre), o tempo de impacto - o que os caratecas chamam de kimê (se é que se escreve assim!) – a massa do braço daquele que bate, a sensibilidade do local atingido, o ângulo do impacto... e como se trata de uma questão que envolve energia, um importante fato é saber como dissipa-la, para minimizar os seus efeitos, que os digam os carros de formula 1, nos quais tudo se destrói com este intuito, preservando a célula de segurança, ou mesmo um simples rolamento feito por um jogador de vôlei. Sem contar com uma miríade de outros enfoques para entender as colisões.
A guisa de exemplo, neste papo podemos ainda considerar uma grandeza chamada de quantidade de movimento, que tem profunda relação com outra chamada de impulso, e se estivéssemos dispostos a levar esta discussão à diante, chegaríamos a uma interessante conclusão sobre a importância do tal do kimê, mas esta fica para depois.
O quero dizer no frigir dos ovos é que não posso deixar de ficar fascinado por incríveis sobrevidas em alguns acidentes que já acompanhei. Em um deles, por exemplo, uma moça saiu ilesa, simplesmente por ter caído exatamente em um buraco que mal cabia o seu corpo, e sobre ela algumas toneladas de um ônibus que havia capotado.
Não sei se Galileu estava certo quando disse a linguagem de Deus ao escrever o universo foi a matemática, só sei que eu estou passando por aí, e entre uma conta e outra vou dando o testemunho de Sua grandeza e sabedoria.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012


O trem não pára
Para ele não importa
Se a hora é de partida
Ou aonde quero estar
O trem das onze
Que só chega, ao meio-dia
Na verdade só queria
Perto de você ficar.

A vida corre
Amanhã já não te vejo
Já não sinto o seu beijo
Mas não esqueço o seu olhar
Só sei que hoje
Ao te ver na plataforma
O meu coração informa
Que a hora é de voltar

Não sei se você gosta de mim
Eu gosto mesmo assim
Sentindo uma ânsia tão louca
Um beijo em tua boca
Pra me encantar.

sábado, 10 de novembro de 2012


“Somos alienígenas”, me disse assim a sangue frio, sem qualquer chance de réplica. Me senti como o Bob Moore quando viu a bola passar entre as pernas naquele drible absurdo do Tostão, o mesmo do qual resultou um dos gols mais antológicos da história do futebol.
Conhecia o argumento e em outras ocasiões soube muito bem como interpretar e debater, e para que você possa acompanhar o meu raciocínio permita-me fazer algumas considerações:
- Aceitar a tese de que a vida veio de outros planetas não resolve de forma alguma a questão da sua origem: apenas a transfere para outro lugar.
- A discussão entre criacionistas e darwinanos somente mascara o ceticismo destes e o sectarismo daqueles: acreditar em uma força divina criadora não nos impede de querer aprender e compreender a obra de Deus.
- Não vivemos no mesmo mundo do que as pessoas do nosso bairro. Somos tão diferentes uns dos outros, que pelo menos metaforicamente devemos aceitar os diferentes mundos, e o fato de que as pessoas têm o direito de pensar de um modo desigual.
Para avançar neste último argumento vou contar um pequeno causo: Jogava WAR com os amigos de meu filho quando vi as mandingas de um dos meninos para ser bem sucedido nos lançamentos dos dados, e os comentários dos outros de que com a mandinga dele ninguém podia. Jogo WAR há anos e sempre encarei isto como um exercício de estratégia, combinada com alguma matemática e um dedinho de pressão psicológica. Estávamos nós separados por apenas uma mesa, nossas experiências e visões. Definitivamente não vivemos no mesmo mundo!
“Somos alienígenas” ele repetiu olhando a ossada de um macaco barbado, “somos invasores do mundo deles”.
Um argumento definitivo e, uma vez que o Paul (o beatle – é lógico) teve a coragem de cantar que ele não era metade homem do que costumava ser, acho posso assumir o sentimento de que somos um projeto incompleto: equipamento sem manual do usuário ou revolveres sem trava de segurança.
Alienígenas?
Com certeza.


WHO ARE YOU?

Uma cena antiga voltou a minha mente: em um filme sobre o Batman, o Coringa, interpretado pelo Jack Nicholson, pergunta “who are you?” Ao invés de “what´s your name?”. Parece uma besteira, mas são perguntas totalmente distintas.
Dizemos o nosso nome para nos definir como se ele tivesse a capacidade de encerrar todas nossas qualidades, podemos até acrescentar de onde vimos (o que em tempos idos criou sobrenomes como Silva: o que vem da floresta) ou o que fazemos (o que gerou tantos outros sobrenomes).
“Quem sou”, no entanto, ultrapassa as fronteiras das definições cotidianas. No máximo conseguimos traduzir nossas condições de transitórias.
Por outro lado, saber a história de meu próprio nome me levou a conclusões bastante interessantes sobre meu modo de ver o mundo, e me ajudou no processo de individuação.
Bem... isto bem depois do espanto causado na infância de ter um nome tão incomum. Sempre me perguntavam onde estava o barco, de qual canoa eu vinha, se tinha remadores na família, e mais tarde ao ingressar na carreira militar, quando eu seria promovido a motor de popa.
A singularidade do nome também trouxe vantagens, como a de nunca ter tido um apelido que pegasse, até pelo fato de muitas pessoas pensarem que Remo é um apelido. Aqui cabe lembrar duas gratas exceções: o pessoal do BEST, onde me orgulho de ter trabalhado me chama de Mr. Oar, e um colega de Guadalupe me chamava de pau-d’água: este não pegou pelo fato de que tenho um fraco por comida, mas quase não bebo e aquele devido a ser muito restrito aos amigos que curtem a língua de Shakespeare.
Noronha, me disse meu pai, é um dos nomes assumidos pelos novos cristãos, aqueles preferiram a pia batismal e o degredo para o quinto dos infernos à pena de morte. Ou seja sou um pouco hebraico.
Albuquerque, é de origem árabe, me ensinou meu irmão mais velho (que se chama Rômulo, o que também explica um bocado o meu nome), e significa domadores de cavalos brancos.
Para completar a mistura uma de minhas avós era cafuza. O que adiciona todas as raças brasileiras à minha formação.
Parece que estou fugindo do assunto central, mudando o foco para a outra pergunta fundamental: “de onde vim”, digo, todavia, que não há como rever uma pergunta sem arranhar à outra. Somos complexos e nem sempre sabemos “para onde vamos”.
Enfim, sou uma coisa e outras: bombeiro, professor, marido, pai, amigo e apaixonado com uma pontinha de loucura (mas isto não é vantagem para ninguém!)
E se você quiser tirar uma conclusão barata disto tudo posso resumir da seguinte forma: com a maioria dos brasileiros sou 100% vira-latas.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012


VIDA DE CACHORRO
“Adormeceu em minhas mãos como um menino: só, sem destino, um pequenino cão.”

Que bicho você gostaria de ser? É uma pergunta que sempre me ocorria quando criança, e de um modo muito interessante voltou a povoar meu imaginário ultimamente.
Uma grande amiga, que apesar de morar perto tem sido muito mais presente nas minhas caixas de mensagens do que em meu contato diário; por exemplo, usa o belíssimo codinome de águia. Sei que ela voa altaneira nas redes do mundo e sempre volta com belas mensagens.
Outros são lobos, há algumas potrancas, outros ainda cavalos, sem contar as tantas vezes que usamos animais para (des)classificar as pessoas.
Sou um cachorro, não se trata de imaginar o que eu poderia ser, sou um cachorro, reafirmo.
Hoje, tive esta confirmação deste fato quando decidi andar de bicicleta para suprir a insônia. Comecei a subir o caminho para Duas Barras, em uma estrada conhecida como “Astreia” (eeeeiita nome esquisito, por sinal!).
E lá me encontrei com ele, um vira-lata, com um marrom comum, adulto mesmo não sendo um cachorrão. Confesso que tive medo, pois ele apareceu do nada, e (pela primeira vez) quase foi atropelado indo de um lado para outro logo à minha frente. Não demorou nada para que o medo fosse dissolvido pela total amabilidade do Totó (como podemos perceber não consegui pensar em um nome melhor... me perdoem).
Ele seguia firme as minhas pedaladas morro acima, com uma disposição alegre, e como era bem tratado descarto a possibilidade daquela cena que os filhotes fazem com jeito de “me adota”, porém o que aconteceu foi muito perecido com isto.
Não resisti ao seu charme e parei para fazer uma festinha. Ele, então se jogou no chão com as patas para o ar e a barriga exposta, assim são os cães quando amam.
 Voltei a pedalar, agora ele se sentia mais a vontade e passou tão rápido que quase o atropelei (vai contando esta foi à segunda vez).
A identificação foi tanta que vocês já devem estar pensando se este texto se remete a um fato real ou não passa de ficção, não os culpo. Eu mesmo não sei se encontrei o meu totem animal ou se era um cachorro de carne e osso. Seja lá como for, a realidade como conhecemos se tornou irrelevante: há em mim um coração que late alto com curiosidade, agilidade, lealdade, dentes afiados (caninos eu diria) em busca de um caminho, seja este numa casa quentinha ou vagabundeando por esmolas na cidade fria.
Fiz outra festinha. É bom encontrar comigo mesmo. E se você vir alguém assim lembre-se que nós (cães) temos uma perspectiva própria e vemos de baixo para cima toda vez que alguém pode ser o nosso dono, então não seja ameaçador dando tapinhas falsos na nossa no alto da cabeça. Ao invés disto, seja generoso e mexa em nosso pescoço espalmando a mão amplamente, isto é um verdadeiro eu te amo para nós. Além de uma chance de se por em uma posição em que olhos nos olhos seja inevitável.
Terminei minha subida o relógio me chamou para mais um dia, Totó quase foi atropelado pela bike ao passar distraído de um lado para o outro (de novo). O que interpretei como um misto de imprudência, expressão de liberdade e principalmente confiança em seu mais novo amigo.
Qual foi o significado? Bem... Acredito precisar de uma vida inteira para responder.                                                                                                     

sábado, 3 de novembro de 2012


PORTAIS

Pode parecer exagero, mas nada afasta de meu pensamento o fato de que shoppings são portais.
Sei que citar certos seriados de tv nos leva ao risco de adivinharem a nossa idade ou de deixar nos mais novos a impressão de que estamos falando abobrinhas, mas a comparação com “O elo perdido” é inevitável.
Para quem não tem a mínima ideia sobre o que estou falando cabe explicar que se trata de um seriado antigo com efeitos especiais mal acabados (para os padrões atuais), no qual pai e filha se perderam em um mundo onde dinossauros conviviam com primatas feiosos e, onde havia portais que levavam para outros mundos.
Assim são os shoppings.
Não importa se você está em Arapiraca ou Nova Iorque é possível encontrar um lugar fechado, com cheiro de ar condicionado, grandes lojas, grandes marcas emolduradas com placas onde se lê: “for sale”.
Tudo bem que há uns poucos nos quais a cultura local é um tanto preservada, porém até isto só me aumenta o incomodo, porque em geral esta vem em um invólucro de plástico, que de alguma forma, vai tornar este aspecto em mais uma forma de acomodar o pote de misturas a uma visão globalizante.
Se for natal a coisa se agrava, seremos capazes de ver pessoas agasalhadas em vermelho, não importando se o portal for um destes do hemisfério sul, onde apesar dos esforços de tornar tudo sempre igual Gaia (a mãe Terra) pensa que ainda é verão.
Me lembro da primeira vez em que vi “Happy new year” na vitrine de uma loja da Nossa Senhora de Copacabana, ao incomodo seguiu a tradução de meu primo, que há trinta anos passados já era fluente em inglês. A sensação de que era um macaco (chamado Tchaca ou coisa que o valha) diante de um portal se abateu sobre mim pela primeira vez, só que naquele momento não fui capaz de definir isto.
Só pude ter uma percepção mais clara sobre o assunto quando Luis Gonzaga foi substituído por Michael Jackson como tema nas festas juninas. Era o momento certo de alguém pegar o microfone e reclamar veementemente, mas isto não aconteceu. No fim das contas este processo chegou a tal ponto que as pessoas já acham normal startar, ao invés de iniciar, uma reunião.
Hoje ainda me sinto tonto quando entro em um shopping com todas as luzes, cores e lojas de sempre... Deve ser o efeito colateral de entrar em um portal.



sexta-feira, 2 de novembro de 2012


Hoje direi minha insegurança
Eu só queria ser criança
Pra ter minha liberdade

Esquecer de tudo
Da maldade
Essa é minha utopia
Enfim, tudo o que eu queria

Mas nunca conte meu segredo
Das pessoas tenho medo
Minha fuga é cantar

Canto como uma ave perdida
Sem ter ponto de partida
E nem ter onde chegar

Hoje, sinto que é chegada a hora
Posto que já vais embora
O meu erro é te amar.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012


CONHEÇA A VERDADE E A VERDADE TE LIBERTARÁ

Em verdade vos digo...
Cara! Consegui... Sempre quis começar um texto assim, mas nunca encontrei o contexto certo. O problema é que a palavra verdade é tão poderosa quanto desgastada.
Mas foi a oração contida no título desta crônica que me deu suporte em um dos momentos mais interessantes na minha estada aqui no Carmo. Repeti esta frase em meu íntimo, toda vez que alguém me olhava atravessado. Naquele tempo eu ainda não tinha entendido dois fatos: que as pessoas aumentam e inventam e; que aquele era um processo de batismo que todos que decidiram vir para cá, em algum momento, passam.
Devemos também considerar que a verdade nem sempre é tão glamourosa ou divertida, e ainda que ela tem diversas faces e uma complexidade insana.
Falar sobre isto exige que outra palavra não menos poderosa, o tempo, dê as suas pinceladas na história e o colorido inicial possa ter desvanecido a ponto de atingir tons mais realistas.
Neste meio tempo recebi pela rede um texto que fala sobre as peneiras que devemos utilizar antes de repassar uma história ouvida como verdadeira até o ultimo fio. Há ainda outro sobre penas jogadas ao vento, que no fundo diz a mesma coisa. Sem contar o dito árabe de que temos dois olhos e dois ouvidos, mas só uma boca; o que deveria a nos levar a falar apenas a metade do que vemos ou ouvimos.
Aprendi ainda que devemos escutar os elogios sem perder a humildade e aceitar as críticas coerentemente, porém não devemos perder tempo imaginado que alguém possa estar falando mal nas nossas costas, pois este lixo mental somente serve para nos desestruturar.
De qualquer forma em um patamar acima disto tudo há sempre a verdade, esta força poderosa é a única capaz de nos livrar de um circulo pegajoso e destrutivo.





domingo, 28 de outubro de 2012


rain

Conheci alguém que amava a chuva
E com tal intensidade que a chuva
Logo ela
Talvez também se sentia amada.

Sempre tinha a impressão de que
A vida se enchia de luz e cor
Toda vez que chovia
Tal era a luz que emanava
Quando ela dizia:
Que linda essa chuva!

Mais tarde descobri
Que minha irmã
Aproveitava as tardes chuvosas
Para silenciosamente estudar
E isso explicava toda aquela claridade
Mas não o encantamento

Por certo o mesmo pela primeira chuva
Vista por um jovem casal do sertão

Deveriam escrever uma tese
Sobre a genética do amor à chuva

O fato é que depois de tanto tempo
E algumas milhas além
Alguém ainda ascende
Uma luz lá em casa toda vez que chove

CARAVELAS


O que traz o navegante
Que segue a estrela mais brilhante?
Traz prata
Terra e especiarias

Mas traz também
Uma marca
Marca bela e dolorida
De todos marcos onde passou

O que traz o valoroso viajante?
Menos que a metade
Da tripulação

Pelo caminho ficaram
Tanto e tantos
Que é difícil dizer

Ficaram a infância e as ilusões
Mas veio braço amputado
Embalsamado
E a caneta
Que não assinou a própria alforria

O que me trouxe de lembrança?
Um pouco das cores desconhecidas
Dos novos pensamentos já envelhecidos
E dos luares que nunca vi

Mas não esqueça navegante
De trazer o abraço
Dolorido
De tão longo
E seu olhar ainda azul.

Para Paulo Albuquerque

sábado, 27 de outubro de 2012


SEM CERA

            Conhecer o significado das palavras de onde elas vêm e o seu colorido tem sido um de meus passatempos ultimamente.
            Isto, muitas vezes, explica a diferença entre sinônimos. Junito de Souza Brandão, em seus belos livros sobre mitologia grega diz que contemplar é observar templos e, considerar é observar o siderus, ou seja as estrelas.
            Observe que não há sinônimos perfeitos: o colorido das palavras possibilita que esta exausto não seja o simples cansaço, é não ter o último “hausto”, o ar que lhe dá vida.
            Do mesmo modo lembre-se se preocupar quando alguém disser que você está prestigiado, pois esta palavra tem a mesma raíz de prestidigitação que a ilusão oferecida pelos mágicos.
            A palavra que me acertou em cheio foi justo sincero, que vem da expressão sem cera. Esculpir sem usar cera para retoques era a forma dos grandes mestres: eles aceitavam o risco de obras sem retoques, onde suas falhas pudessem ser percebidas.
            Assim sou, quase sempre à beira da simples e pura falta de educação. Pelo fato de oferecer opiniões quando elas não são solicitadas ou sequer relevantes.
            Defeitos à mostra, já que qualquer qualidade em excesso transforma-se em um defeito brutal.
            Podemos repensar isto mas é tarde: meus pais, que nem sempre foram grandes mestres me esculpiram sem cera.  

domingo, 21 de outubro de 2012


CHICLETE DE CANGURU

Não sei como se escreve, mas deve ser algo do tipo kan goo roo; porém, independente da grafia (que deve estar errada!) esta frase significa “eu não entendo”, na língua dos aborígines australianos. E como eles não sabiam inglês isto era o que os colonizadores mais ouviam. Então, os doutos súditos da rainha pensaram que o curioso marsupial que viam naquelas terras assim se chamava.
Por outro lado o Rio de Janeiro recebeu este nome porque a Baia da Guanabara, vista de longe por marinheiros que certamente ansiavam por água doce, parecia um rio.
Podemos concluir que Rio de Janeiro e Cangurus têm em comum enganos históricos. Enganos belos é verdade, no entanto, quero compará-los a um outro nada agradável: vi na TV a imagem de um passarinho que morreu asfixiado por ter bicado uma bolinha de chiclete vermelha.
Há, neste caso também dois enganos: a do infeliz passarinho que não distinguiu o chiclete de uma acerola e; o de um andarilho que deixou acidentalmente (pelo menos assim espero) a armadilha por ali.
Falhas são cometidas o tempo todo, elas nos levam adiante e nos fazem crescer, algumas podem até ser interessantes, outras são simplesmente trágicas.
O problema é que a nossa margem para erros está cada vez menor, pois todos os nossos atos interferem com outras pessoas em um mundo cada vez mais plugado, interligado, interconectado.
Ou seja, se você espirra no Rio (poderia ser Baia) de Janeiro alguém pode ficar gripado em Sidney (e do jeito que a coisa anda pode até ser um canguru).
Então, como diria Gil (que é da Bahia – e que não tem nada a ver com a Guanabara) “se oriente rapaz” (e moça também), há muitas bolinhas de chiclete disfarçadas de acerolas por aí.

Remo Noronha



  

sábado, 20 de outubro de 2012


ORA DIREIS...CERTO PERDESTE O SENSO

Diversos aprendizados nos tornam quem somos no final do dia. Muitas vezes procuramos uma pessoa talhada para um serviço confiando apenas em sua formação. Ledo engano, é fundamental saber por que tipos de experiências de vida que esta pessoa teve, e quais caminhos a pessoa percorreu.
Um exemplo básico é a profissão de bombeiro: é preciso saber correr, subir em muros e árvores, pensar rápido e agir com calma, ou seja os melhores bombeiros que conheci foram moleques um dia.
As vezes julgamos as pessoas sem conhecer sua história, sem perceber o quanto é difícil tomar decisões de cunho ético quando ao seu redor outras pessoas não tem esta preocupação.
Neste mundo, há de tudo: pessoas que perderam tudo, que têm tudo, que tudo querem e, até as que nada desejam para si. Não podemos esperar que elas venham a reagir de um modo igual com estruturas tão desiguais. E as formas nas quais as queremos colocá-las muitas vezes praticamente as mutilam.
Se pudesse escolher uma experiência para ajudar as pessoas a serem melhores pediria a cada um que permitisse ser amado. Em geral o amor está bem ali, ao alcance das mãos, justo pertinho das pessoas que não sabem amar. E isto ocorre por que o amor também é uma trajetória que começa com paciência, evolui na crença de que a pessoa que está ali do lado pode lhe acrescentar algo e, deságua em um abraço.
Tenho feito um exercício muito interessante: simplesmente falo com as pessoas sobre a consideração que tenho por elas assim que tenho a oportunidade. Sendo que muitas vezes esta oportunidade também deve ser construída, como se fosse uma ponte entre  os nossos corações.
Quando você diz o quanto considera uma pessoa, você usa uma palavra que significa observar o espaço sideral, então ela se transforma em uma estrela para você. Quem sabe ao seu redor já haja uma verdadeira constelação sem que você perceba isto.
“Dizem que sou louco por pensar assim” ouço a voz aguda de Nei Mato Grosso, contrapondo a minha idéia de que as pessoas que amamos brilham ao nosso redor, mesmo assim estou certo de que nossas vidas podem ser iluminadas por esta pratica.

sábado, 13 de outubro de 2012


EM NOME DO PAI

Passei por um outdoor que dizia: “Em nome do Pai do Filho e do Espírito da Empresa”, sei que em se tratando de publicidade chocar o consumidor em potencial é uma estratégia para obter a atenção.
Até admito que deve ter dado certo, caso contrário não estaria escrevendo sobre o assunto. E também entendo que com padrões morais cada vez mais flexíveis deve ser difícil chocar alguém, seja quem for.
Em favor da liberdade de expressão também pesa o fato de que as reações às imagens do jornal Dinamarquês foram exageradas, e colocam os chargistas na cômoda condição de vítimas. Se não fosse suficiente, a óbvia constatação de que a violência, além de abominável, é o argumento de quem não sabe argumentar.
O que me incomoda, no entanto, é que temos um arsenal de argumentos bem medidos, a velocidade da produção e a voracidade  do mercado quando se trata de atacar qualquer coisa que possa ser considerada sagrada.
Esta liberdade ilimitada, no final das contas, corrói, a si própria uma vez que o extremo de um fato pressupõe o seu oposto.
Quero, no entanto, dar um testemunho verídico e pessoal sobre o assunto: Lembro claramente do dia em que desprezei com uma frieza calculada um trocador que insistia que eu havia lhe passado uma nota de cinco, ao invés da de dez.
Um pouco antes de saltar do ônibus ele me chamou de volta, tocou minhas mãos e olhando fundo em meus olhos me disse que não havia me roubado: “por tudo que é sagrado!” Não tive escolha e fingi aceitar o que me disse.
No dia seguinte, como que por milagre achei uma de dez no bolso esquerdo.


quinta-feira, 4 de outubro de 2012


O QUE VOCÊ VAI SER QUANDO CRESCER?

“Menininha não cresça mais não
Fique pequenininha na minha canção...
Porque a vida é somente o teu bicho-papão”

Uma idéia me atingiu como um raio: o Jornal Bandeirante é lido em nada menos do que dez cidades de nossa região, então é provável, (mesmo que não muito) que um dos meus doze leitores venha a ser um ex-aluno(a).
Esta é uma relação muito especial para mim, sei que muitos deles são hoje pessoas bem sucedidas e, coisas como um pedido de reconsideração da nota na última prova bimestral uma lembrança tão distante, que provavelmente já foi deletada.
No momento, não sei bem como arrumei um jeito de atuar novamente nas três áreas que me fizeram professor, e para você que não conhece este detalhe de minha atuação leve fé: há pessoas, loucas o suficiente, para se metem a lecionar matemática, física e inglês.
Sei que isto me coloca na mesma condição de um pato. Afinal um técnico de futebol, em uma destas tiradas históricas, disse que seus jogadores deveriam ser capazes de jogar em quaisquer condições (até sob uma forte chuva) assim como patos que são animais aquáticos, gramáticos e voáticos. Porém,  apesar de fazer de tudo um pouco, o pato nada mal, voa mal e anda pior ainda! Quero acreditar que não seja o meu caso, mas todo pato acha que é bom em tudo o que faz.
Sei ainda que dentre fórmulas, teoremas e verbos irregulares o que deve ter ficado foram os sorrisos e lágrimas que compartilhei com cada um de meus alunos. Fui até paraninfo de uma maravilhosa turma nos idos tempos de Colégio Doutor Paulo César, ocasião em que disse aos meus ex-alunos: a resposta certa para a questão “o que você vai ser quando crescer?” é: “vou ser grande”. Espero que cada um deles tenha cumprido esta promessa, pois potencial havia de sobra.
Poderia até dizer para os meus alunos que ainda não ostentam o título de “ex” que desistissem de toda esta história louca de crescer, com os seus vestibulares, suas noites em claro, preparação para o mundo adulto, contas a pagar (ufa!). E lembrá-los de que o hoje eles vivem o melhor momento de suas vidas (apesar de uma espinha ou outra). E crescer nem sempre faz com que a vida caiba em nossos sonhos.
Mas mesmo para estes fica o meu incentivo: sejam pois, realmente grandes!


domingo, 30 de setembro de 2012


CALCULADORAS TABELAS E DICIONÁRIOS

Muitas vezes me foi questionado o porquê de não permitir o uso de calculadoras em exames de Física se em testes de inglês, permito o uso de dicionários. Afinal a calculadora é hoje acessível o que não é necessariamente verdadeiro para dicionários.
Todavia, meu intuito no momento de decidir quais recursos podem ser utilizados por um aluno quando é avaliado, por incrível que pareça é único: se O meio poupa tempo e trabalho, e não substitui o raciocínio ele é válido. Porém, se este recurso poupa o aluno de raciocinar ele é nada menos que perigoso.
Observe-se aqui que Huxley, autor de Admirável Mundo Novo, em sua visão retomada de obra prima incessantemente diz que os jovens estão trocando a sua li­berdade por refrigerantes. 0 que nos força a pensar o que ensinamos e o mais importante: como fazer e o que pensar.
Com tudo isto em mente discuti com uma co­lega a validade de se memorizar a tabela periódica (o que ela exigia dos alunos). O assunto foi fechado quando ela disse que alguns vestibulares ainda não ofereciam na (época) o pode­roso instrumento para os alunos (não se isto ainda ocorre se for verdade só posso dizer: socorro!).
Tentei colaborar com a colega lembrando das fra­ses absurdas que criávamos nos tempos idos do pré para memorizar as linhas da tabela: Bela Magnólia Casou com o Senhor Barão (Belírio, magnésio, Césio...), ou Os Sete Poloneses, ou ainda Banco de Crédito Nacional Órgão Falido. Entre outros absurdos.
Ao observar a sua expressão logo vi que estava pagando o maior King Kong dos últimos três séculos. Ao tentar suavizar o diálogo de tal importância estava pondo panos quentes nas grandes questões que diferenciam educadores de papagaios: De que forma o assunto deve ser discutido?; qual raciocínio pode trazer o raio de uma tabela decorada?
Se no fim das contas a ocupação de tantos neuró­nios não vier junto com uma visão crítica devidamente aprofundada do conceito, o que tem que mudar é sem qualquer sombra de dúvida o vestibular.
Entretanto se alguém chega a memorizar a tabela periódica de tanto que usa, o cidadão deve ser para­benizado, posto que a compreensão de um processo mui­tas vezes só é obtido através do trabalho duro.
O fato que estamos há muito tempo desvalorizando a capacidade do aluno pensar lhes trazendo aulas fantás­ticas e muito bem preparadas que funcionaram certinho nas três turmas que demos o mesmíssimo assun­to.
Flexibilidade mental, interação e discussão jamais fizeram parte do currículo de física. E o importante mes­mo é que o aluno tenha uma bela nota para emoldurar em algum canto empoeirado. Quando ele tiver passado no vestibular, e tiver vinte anos de vida profissional ele vai nos agradecer. mesmo que de nossas aulas somente sobrem as anedotas. Por falar nisto tem outra: Falei Com o Branco e Iniciou a Tourada"


UTOPIA

A utopia era tudo
Mas logo o brinquedo quebrou
E o espaço
Foi ocupado por outras coisas
Que até então
Eu não queria.

A utopia não era tudo que queria
Mas ainda era muito

Muito, porém, de seu espaço
Foi ocupado
Por máquinas de guerra
E por derrotas nas lutas pela terra

A utopia já não era muito
Mas era o que me movia
E o motivo pelo qual ainda sorria
Porém muito do meu sorriso
Foi cariado
Pelos enlatados ideológicos
E pelos games de porradaria.

O brinquedo quebrou
A guerra ocupou
O sorriso desgastou
E a pouca utopia que restou
Foi tudo que restou da utopia

Hoje
Me lembro
De um menino
Que tinha uma utopia
Que passou.

sábado, 29 de setembro de 2012


RIMAS FÁCEIS

“O nosso amor não vai deixar de rolar
nem fugir nem ser tema de livro...”

            Fui convidado a um sarau, palavra antiga que abre um espaço para dar voz a poetas.
Éramos três e, os outros dois me ofereceram a maior saia justa de minha vida no que se trata de falar em público, pois não há como competir em charme, elegância e desenvoltura com o Seu Jairo o Seu Rui. A poesia escorre dos poros deles, elas fluem entre calangos e canções, espalham doçura aos corações.
            Não sou um desistente: sobrevivi, mais uma vez. O problema é que meus textos nascem sofridos, há tempos não sei escrever quadrinhas; mas assumo que rezei por uma inspiração: devolvam minhas rimas fáceis, permitam-me os calafrios!
            Queria que cada um de meus versos não fosse um parto doloroso, uma amputação. Queria ser novamente capaz de tirar um sorriso das flores que passam nas janelas, como eles habilmente fazem.
            De qualquer forma meus amigos me devolveram o chão. Um lugar firme para me apoiar e olhar para cima, onde do alto das torres ebúrneas de meus sonhos reinam os poetas populares.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012


MORRER COMO OS ELEFANTES

No início da obra de meu cunhado ao lado de minha casa me vi, de um certo modo, envolvido com tijolos novamente. Com o tempo a tarefa me cansou um pouco, e a partir de então passei a andar com o telefone dele em meu bolso; pois estava, além de cansado, pronto a repassa-lo a qualquer um que quisesse discutir os problemas hidráulicos, elétricos ou ecléticos que ocorressem.
Dentro desta moldura conheci um velho pedreiro: grande, uma montanha, com um olhar firme e ao mesmo tempo gentil.
Não demorei muito a perceber que lhe devia desculpas, pela minha fala ríspida àquele senhor de noventa anos, afinal ele definitivamente pouco tinha em comum com as pessoas vulgares que me cansavam com suas frases óbvias e interesses mesquinhos. 
As mãos grosseiras do colosso se mostraram capazes de trabalhos de pura beleza, desses que justificam o estranho modo como o pessoal da área de engenharia chama este tipo de artefato: obra de arte.
Espiralada subia a escada esculpida por mãos quase centenárias. E a serpente se esticou até onde pôde até dar o bote final no teto.
Logo entendi que a sua estrutura não consistia apenas de ferragem e concreto, mas do engenho de um homem que, a todo custo, precisava se manter trabalhando.
A certeza disto veio juntamente com a doença que não permitiu ao velho sábio o seu ato final: a retirada da escama do dragão. E numa destas raras ocasiões a retirada do seu leito de madeira ficou à encargo do ajudante.
Mais tarde soube que o ócio o deixou depressivo.
E finalmente que, em sua simplicidade, ele escolheu um fim de paquiderme em  um local isolado misturado entre notícias desencontradas.
Sei que muitos não vão entender o que é claro como o cristal: seus passos lentos e curtos na subida da estrada de Teresópolis somente buscavam o retorno de sua dignidade.

domingo, 23 de setembro de 2012


SALGADINHO

- Oi! Oi! Oi! É o salgado. Bi! Bi! Bi! Graúdo! Bonito! Barato e Gostoso!
Vira e mexe vejo esta figura passar pela rua. É o Salgadinho: negro, baixa estatura, sorriso amplo e uma grande alma.
Conheci logo da primeira vez que passei pelo quartel de Bombeiros do Carmo onde o seu pit stop é ansiosamente aguardado, justo minutos antes do almoço.
O fato é que não há como concorrer, pois o seu produto é acompanhado por suco gratuito e recheado de bom humor.
Logo o convívio com seus fregueses de camiseta vermelha fez com que o boné da Corporação fosse incorporado aos seus trajes.
- E ai chefe vai salgadinho hoje?
Peço desculpas, bem que poderia aceitar, entretanto meu amigo não sabe a briga que venho travando com a balança desde que torci meu joelho.
Vejo se afastar imaginando como ele consegue equilibrar o isopor e o guarda-chuva sobre a bicicleta. Lembro da música do Jorge Ben (aquele cuja numerologia mudou o nome), e percebo que a combinação dos objetos pode ser aceitável e até harmoniosa se guiados por uma pessoa tão peculiar.
Tenho pensado muito sobre o privilégio que é morar em um lugar onde ainda pode se ouvir uma Folia de Reis, pendurar um cafezinho, ou simplesmente desejar felicidades a alguém sem que seja natal. Mas, certamente, o melhor é conhecer pessoas como o Salgadinho. E ao passar de carro buzinar para ouvir o bordão já famoso nas ruas da terra que adotei. 
- Oi! Oi! Oi! É o salgado. Bi! Bi! Bi! Graúdo! Bonito! Barato e Gostoso!



SOBRE PADRES, PASTORES E CASAIS

O que relato agora não seria possível em Dublin da época de James Joyce. Ocorreu não faz muito tempo e bem aqui em Carmo. Tratou-se do concorrido casamento de Elaine e Leonardo. Evento no qual tive, junto com minha família, a honra de comparecer.
Muitos fatos agradáveis poderiam ser citados: o grande estilo da festa, a escolha de belas músicas (por sinal muito bem executadas), a presença de amigos e parentes, a beleza da igreja... Mas, o que mais chamou a atenção foi a elegância com a qual o padre Jorge recebeu o pastor da igreja luterana, que fez uma bela fala que lembrando que uma mais um é mais do que dois.
Se já disse isto, peço perdão pela repetição: se há algo de belo em nosso país é a nossa vocação para a tolerância. Não digo que não tenhamos preconceitos, pois os temos de sobra. Todavia, só no Brasil um árabe pode ter uma loja ao lado de um israelita sem que eles pensem em como se matar mutuamente a cada dia.
A própria Igreja Nossa Senhora do Carmo tem uma disposição arquitetônica incomum. Pois havia uma regra (dessas que nunca foram escritas) de que os escravos não podiam passar da torre (pelo menos assim me disseram). Então, esta repousa majestosa nos fundos, permitindo que todos comparecessem as missas.
Um jeitinho brasileiro, no final das contas, resolveu mais um problema insolúvel. Digo que neste caso que não há nada de pejorativo no diminutivo de jeito e muito menos em ser brasileiro, pois assim somos: pessoas capazes de resolver de problemas incríveis.
Por falar em igreja, a primeira cisão desta ocorreu justamente pelas mãos de Lutero, então a presença de um pastor luterano em uma igreja católica só me faz pensar em re-união e, também de um modo profundo a beleza da religião que em seu sentido primário significa re-ligar.
Deus nos fez diversos, mas tenho certeza de que Ele nos quer tolerantes e unidos e este também é o meu desejo para o belo casal.

sábado, 22 de setembro de 2012

pés


Resolvi tomar pé da situação que você me disse ao pé do ouvido, só para saber em que pé está. Já não sei se posso dizer que o trato está de pé, pois observei que o pé direito do prédio não tem sequer dez pés, e a porta não abria nem com pé de cabra. 
Lembro que você estava à sombra de um pé de laranja lima quando bateu um pé de vento, então me disse iríamos tirar o pé da lama e que o mundo estaria aos meus pés. Só que ao pé da letra o projeto não tem pé nem cabeça. O que, me desculpe, deixou com um pé atrás e a orelhas em pé. Afinal você não estava com os pés no chão, pois você trocou os pés pelas mãos.
 Acordei com o pé esquerdo, chutei o pé da barraca, me sentindo um pé frio e fiquei com pé de atleta, pé chato e bicho de pé; só tendo pé de moleque para o almoço, já que o pé de meia que eu tinha feito sumiu de repente como um verdadeiro busca pé, o que me deixou com um pé na cova.
Depois me acalmei, e vim conversar contigo pé ante pé, sem enfiar o pé na jaca e lhe disse na ponta dos pés o que só poderia ser feito ao pé do altar, mas sua resposta foi um verdadeiro pé na bunda, como se eu fosse um mero pé rapado.
Tudo bem: sei que não começamos com o pé direito, quem sabe na próxima vez nosso arrasta pé no pé de serra não vai dar pé, mas por enquanto vê se não pega no meu pé.

CORAÇÕES AMIZADES E AMORES


Ambos Robertos eram guerreiros
E cada um amava sua Fernanda
Mas o que eles ainda não sabiam
Que esta simples coincidência
Faria nascer neles
Aquele tipo de amizade
Tão intensa quanto os seus amores
Resolveram então
Escrever na árvore
(Aquela que foi bombardeada logo depois)
Roberto e Fernanda
Dentro de um coração fajuto.
E quando da cerejeira
Só restava um toco
Um casou com sua Fernanda
E o outro resolveu amar
A outras mulheres

O fato é que um terceiro Roberto
Que não amava uma Maria sequer
Só viu naquele coração de limo coberto
Nada além de uma pieguice qualquer

segunda-feira, 10 de setembro de 2012


MAIS UMA VEZ O TEMPO
“Preciso não dormir até se consumar o tempo da gente”
Chico Buarque
Cronos era um devorador de almas, devorava a beleza, a força física, o prazer do amor e até os cabelos. Cronos soube que um de seus filhos iria destroná-lo, então decidiu engoli-los um a um. Para quem já sabia ou acabou de desconfiar, é isto mesmo Cronos, o mais poderoso dos titãs, era ninguém menos do que o tempo.
Acredito que minhas queridas professoras de meu (inacabado) curso de letras já devem estar preocupadas com a coesão e coerência de um texto que mais adiante irá se propor a falar de filmes infantis, pelo menos este parágrafo não tem qualquer ligação aparente com o anterior e também não vai ter qualquer ligação com o próximo. (ou seja, meninos não me tenham como exemplo de redação sob o risco de uma nota redondíssima)
O fato é que tenho cada vez mais aberto mão de ver filmes ditos adultos para curtir os infantis, em especial aqueles com as moderníssimas técnicas de animação, ou outros cujos efeitos especiais simplesmente estonteantes.
Então o que eles têm a ver com o tal do tempo?
Eles demoram um bocado para sair do forno, algo raro nos nossos dias em que a velocidade e a pressa nos obrigam a ter sempre soluções no máximo razoáveis em prazos fatais cada vez mais curtos.
Tenho um amigo que define isto com perfeição: a melhor parada militar não serve de nada se estiver pronta em oito de setembro. Só que nem tudo deveria ser assim. Deveríamos nos dar tempo para obter resultados de excelência de quando em vez, para que Cronos não nos devore no lugar comum do tanto faz e tanto fez.
Há muito tempo tinha o prazer de passar em frente ao velho cinema de meu bairro, lá no Rio para me divertir com os cartazes das pornô-chanchadas, sempre combinadas com filmes de caratê. Os títulos faziam parte do que iríamos usar para mangar dos colegas durante os próximos sete dias. Hoje quando a TV invade nossos lares com programas de pura violência e promiscuidade, me parece que a brincadeira, finalmente perdeu a graça.
Na contra-mão (e graças a Deus) passam filmes infantis cada vez mais interessantes. Espero, então que as técnicas de animação permaneçam difíceis de dominar por mais um bom tempo (olha ele aí de novo!), fazendo com que estas obras de arte permaneçam tão bem cuidadas por muito tempo (não disse?).
Mas se é para citar alguma obra infantil, permitam-me mais uma vez lembrar do campeão: “foi o tempo que gastaste com a tua Rosa que a fez tão importante” (bem, se a citação não é exatamente esta me desculpem, pois estou sem tempo para revisões!).    

domingo, 9 de setembro de 2012


Marlon wouldn’t sleep again, but that didn’t matter anymore as he couldn’t remember the last day when he could fall asleep it without his long and painful ritual. And since it wouldn’t make any difference anyway, he decided to go downstairs and fix himself some coffee.
All recent facts of his miserable life were around every step in that old floor and every piece of that old fashioned furniture: the pink empty cradle… the king size bed, built for two as the bike in that old song… her picture, hanging over the fireplace, kind of smiling to the long lost days and kind of crying for the happiness which wouldn’t come to that lifeless eyes.
His old man tried to tell him that Karen wouldn’t stand such hardship - oh! Lord! - If only had he listened… What would he have given to make things just a bit differently? “To late” - he said aloud as if someone had asked the same question once again.
The kitchen was the only corner which had changed, but not much, after her departure, and the new coffee machine was his best listener then.
On the outset some palls would listen to him and give some advice, then the most sympathetic ones would answer with a nod or two, later their number decreased and finally the coffee machine would replace everybody.
That doesn’t matter- he lied to himself – sob stories aren’t very popular after two weeks, but some sobbing would last for good, a bad combination indeed!
A crack near the front door announced that somebody would ring the bell, but the annoying sound never came.
He tried to play it cool, and he might have succeeded if Linda’s dog kept silent. The middle-aged man walked slowly and nervously unlocked the door, but nobody could be seen around at first, but down he looked and there it was: the basket I still keep in my cabinet!
You may say that I am a total nut but I really remember his look when he was lifting the basket, or you may say that what I remember was the recollection of other people, or anything like that, but listen to what I say I DO REMEMBER.
Sometimes I think about it and then those sixty-five years between that Christmas Eve and today seem to be unimportant.
That day I was the greatest treasure of my daddy. 

LET IT BE

“When I find myself in times of trouble
Mother Mary comes to me
Speaking words of wisdom
let it be”.

Dividia meus dias entre Friburgo e Rio de Janeiro na época, estava solitário e ainda não sabia como gerenciar as dificuldades de meu novíssimo trabalho, achava que bastava me formar e tudo de repente ficaria bem. Mas a vida, esta é uma caixinha de surpresas como diria Joseph Climber, mostrou-me que quando nós atingimos um objetivo logo aparecem outros.
Naquele momento, ainda não entendia que o processo de crescimento não está diretamente ligado ao que sabemos, mas sim à nossa capacidade de suportar pressões.
Quando me encontrava em momentos turbulentos, ligava para minha mãe, Maria (Augusta), e ela dizia palavras de sabedoria: deixe estar.
Via de regra não sabia que ela estava justo passando por uma de suas tantas crises de falta de ar, ou que meu irmão tinha sumido por dois dias sem dar notícias, ou que as dívidas dela ultrapassavam como um foguete as minhas.
Afinal esta é uma relação uni-lateral, ou melhor a sua pluralidade só se revela quando temos filhos. Só então é que vamos compreender uma série de atitudes loucas que nossos pais tinham e, de onde vinha aquela tranqüilidade diante de problemas que nos pareciam insolúveis.
Sempre digo para os meus alunos do curso de física que geralmente a resposta certa é: eu não sei, e quando, ao contrário disto, temos todos os dados e eles já estão devidamente organizados a resposta estará embutida na pergunta.
Entre uma coisa e outra há um enorme vácuo: questões insolúveis e problemas fáceis se distanciam em uma área de manobra, nela é que encontramos o espaço para viver plenamente. E é aí que devemos procurar alguma referência, ela é que vai dizer qual é o desenho de nossa trajetória, em qual velocidade estamos seguindo, qual deve ser a aceleração; ou seja: é preciso ter uma base para ir adiante.
Na década de noventa a minha maior referência tinha quase setenta anos, e destruía três maços de cigarro ao dia, sofria de várias doenças cárdio-pulmonares, só que se o bicho pegava lá estava ela firme, um colosso!
Hoje não tenho para quem ligar quando algo assim acontece, somente ouço a velha melodia dos meninos de Liverpool, e se o universo não vier a concordar com os detalhes que queremos para nossas vidas e as situações ultrapassam a nossa capacidade humana, só há uma resposta: deixa estar.